terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Natal

Hora de dormir. Tão pequena, já sabe quais serão as próximas palavras - em tom de ordem - de seu centro no mundo recém descoberto: "ajoelhe-se, filha, e peça para papai do céu te proteger". E então fingiu cerrar a porta do quartinho lilás, como já de praxe, para observar calada e certificar-se de que a tarefa imposta será realizada. "Hoje fizeste menina bonita, não terá milho ou tampinhas de garrafa, melhor assim " pensou a mãe, quieta, do lado de fora da porta.
Orgulhosa por estar no quarto, só com a adorada companhia de suas bonecas, ajoelhou-se no canto da cama, cotovelos deitados no colchão - murmurou coisinhas (como viu os adultos fazerem outro dia) e achou que já estava bom, sentia-se bem. Observando-a, cheia de glória, a mãe sai de seu esconderijo zeloso e tanto rígido para apagar a luz. Deitou-se.
Amanhã é Natal... Tantos já foram, pensa. Essa data , ao longo dos anos, passou de inocentes crenças e alegrias, para o momento de reviver a dor de não ter mais pessoas amadas junto
à mesa enfeitada. O que restou da família de outrora, celebrando a - as vezes forçada- união de poucos e saudades de tantos.
Seus pensamentos são cortados de repente, por uma vozinha fina e ainda destreinada à sussurar na entrada do quarto de casal: "mãe, o vovô me disse que demorou muito tempo para ficar bem, mas agora já está bem". Atônita, pediu que a filha dormisse e rezasse para os anjos, antes que o espanto embebido de emoção fosse perceptível - saudades do pai.
Olhos de criança são janelas limpas, para a despercebida realidade com o "ser" é muito mais do que o "existir". Olhos inocentes e vastos!

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Onde os ventos derrubam e a ausência nasce


Na linha da existência, Lia segue em passinhos tímidos, sorrateiros - o equilíbrio é reflexo do tempo, hora beija o chão, hora segura-se em um eventual corrimão (pois não reconhece a mão que impede sua queda) . Passinhos que rastejam à beira do precipício, ventos de mudança que assobiam, dançam, incendeiam! Más não são capazes de trazê-lo de volta em seus longos braços, para o abrigo do seio quente que o chama.
O caminho segue. A ausência é sua posse - é a única que não pode ser roubada quando tudo o mais se foi. Traz consigo a angústia de ter de calar-se, o desespero de manter o laço, cortante e firme, na garganta - para impedir o coração de sobressair-se.
Ela nasce quando faz-se, em dolorosas datas, o desconhecido amar.

Data do fim

Desde aquele dramático final de ano, dez longos períodos de 365 dias vieram- assim, como um tapa. Para ela, os olhos amenhecidos dele eram um convite inigmático para um beijo, e o descanço sobre o peito como se arrancado de um livro tivesse sido. Ele, às vezes, até procurava dentro de si uma emoção para corresponder, ou um pedaçinho que fosse daquele cenário que ela descrevia - pois só assim poderia fazer um esforço para imaginá-lo: era incapaz de ver com clareza o fundo dos olhos grandes dela.
Em uma dessas tardes lentas e abafadas de começo de verão - o décimo - o vento que por ventura passa desfaz a pele sardenta dela, secando seus olhos verdes, fazendo-os cerrar como velhas janelas escancaradas - que não permitiam o descanço já há tanto tempo. O esgotamento era sentido já no portão de fora da casa, que fazia-se por entre o jardim até a porta principal. Cheiro de definhamento, de longos anos chorosos e sugados à partir do fim da noite.
Durante todo o tempo foi e é assim: um corpo que à noite cola os pedaços arrancados pelo dia. O vento morno e o sol, velhos inimigos de quem fora por si mesma condenada à amar a noite soberana, esperando pelo término, sem surpresas, sem seu jovem amante lembrar-se.
No primeiro momento viro o rosto ao vê-la, ainda é dia, fico incrédula. Logo volto, desviando dos chumaços de cabelo ruivo espalhados pelo chão. Em uma cadeira lá estava o físico cadavérico, como se em posição de espera.
Não se morre de amor, o que tem seu fim são as mãos finas e suaves, em belas luvas de cetim ou deslizando sobre as teclas de um piano. O sentimento não pertence ao tangível, vive até mesmo após a morte do sofrimento da carne - persegue. Porisso o escuro: é nele que os corações alimentam-se, produzem luz própria. Talvez, em um desses deslizantes e errantes passeios, a claridade atingida seja a dele.

(À uma data que me dói, sem prazos de validade.)

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Trubunal dos erros

Um dia todos vertem de si as cóleras causadas, ainda que não saibam o porque quando o tempo resolver que chegou a hora. Os pecados escolhidos para serem ressarcidos são então finamente selecionados: justificar o sofrimento alheio como provocado por "desejos e sacrilégios propriamente humanos" não o situa na categoria do "fardo que não se pode escolher", ou seja, o erro não pode ser justificado pela mediocridade de, assim, simples - ser.
Não tenho mais forças para descrever o mal que tuas atrocidades cometidas causaram-me e ainda causam. O aniquilamento da vontade de viver é irreversível? É em vão todo o esforço que faço para inundar-me, por três segundos, de esperança: os desejos positivos e energéticos duram como pilhas desgastadas pelo uso indevido...
Sempre ao fechar os olhos sinto vertigem  Sensação de profundidade. Não sou dona do meu espírito, o corpo é só uma morada com prazo de validade e penso que não será nesta a realização plena, ressarcimento, que o perdão divino será alcançado. No ciclo atual, pago por alguma atrocidade cometida em vidas anteriores. Como tudo é regido por forças superiores, encontro-me neste tempo e da maneira como estou para ligar-me ao destino de outras pessoas e assim tornar possível o cumprimento do plano divino - as existências são interligadas.
Penso que todo o mal que fizestes à mim, fez-me e faz-me pagar pelos erros anteriores, assim como é chegado teu momento de redimir-se - se voltares para meu seio, por mais que o ame como a lua ama o céu, não conseguirei evitar te fazer sofrer. Tornaste-me assim. Como disse, tudo é conectado e nada é por acaso! Tem que ser assim para que o universo continue seu curso. A culpa o fará voltar, a punição será a rejeição? Sou um coelho branco e roliço, saltitando para lugar nenhum... O sofrimento desumano transformou-me nisso, solitária, como condicionei-me a ser, perdi a capacidade de fazer outra alma alegrar-se ou proporcionar prazer de existir.
Jamais superarei...



(Gostaria de engrossar as lentes e não ver com clareza o céu encoberto e a solidão dos corredores. Deixe-me escutar uma última música, como o som das asas de uma borboleta que há tanto não se vê pairando no ar - no meu cômodo vazio.)

Envelhecer


De repente deparei-me com a data de hoje, como um esbarrão que produz um belo hematoma. Esquivo-me do espelho do canto do quarto, para não ter certeza do que meus olhos observam do peito para baixo.
Não se pode convalescer de doenças internas sem que as feridas sejam vistas do lado de fora - uma cruel constatação que nunca tomei como séria. A verdade é que o externo é reflexo do interno, não há como separar essas duas vias tão próximas. O pior de assistir o próprio envelhecer, é perceber que o espírito também mutou, cansou, desistiu - a alma aos poucos apagou o sorriso largo de outrora.
O rosto empalideceu, a miopia passou de regular para grave, o corpo potente e inflamável que sempre foi a imaginação tornou-se esquizofrenia: ótima combinação para não ver como o ser humano é realmente.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Exílio parte 14

Vejo teu rosto com uma doce expressão de carinho e ternura, sufocando um belo pescoço de mulher. Os dias que então se seguiram foram somente a ação das horas em seu ciclo natural: nem o típico sorriso de bailarina consegui arrancar, ou mesmo forcá-lo do meu rosto. Sou um personagem substituível, como um libreto esquecido na gaveta empoeirada no teu teatro reciclável.
O dia para o qual tanto trabalho está cada vez mais próximo, e embora um ano tenha se passado, a atmosfera daquele aterrorizante dezembro ainda permanece com todas as suas feridas expostas. O sangue que jorra não parou de verter do meu andar - do simples ato de andar.
26/11/2010

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Noturno

Pela noite tenho um fascínio lânguido. É em sua atmosfera que mergulho meus dias, pois quando o sol parece brilhar, nada mais é do que ela encapuzada, disfarçando-se. A imensidão negra ocupa cada pequena estrada, onde ainda há frestas escondidas. Por isso vos digo:
A lua que delira... É parte de cada moribundo que a pode ver: Seu vislumbre verdadeiro é privilégio de seus reais devotos da percepção infinita.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Chuvas

Deixe meu céu desanuviar: os dilúvios de espinhos já deleitaram-se tanto!
E não sendo suficiente, ainda pregam peças - aproveitam-se de minhas ingênuas esperanças para, só por prazer, também perfurar o que restou.
Então a época das chuvas vem e vai... para certificar-se de que nada será reconstruído.
16/11/2010

domingo, 14 de novembro de 2010

A parada das nuvens

Me dê sua patinha peluda, com teu curvar suave
E fique aqui, pois quando a noite chega imponente com suas botas pesadas,
Meu colo é teu refúgio
E tua meiguice é meu caminho.
Quando juntos, o leito parece aquecido novamente
E então a caverna de gelo vai tornando-se líquida:
Vamos juntos pelo elevador que sonhamos à noite,
Até a última das paradas existêntes, onde não persiste o gélido junho
Nem o cansado dezembro.
A parada das nuvens, fiel amigo de nariz rosado!
É para lá que o colchão macio nos leva.
13/11/2010

À meu amado Syd.

Exílio parte 13

Sonhador
Quando danço, ainda dedico meus passos à quem, já há tanto tempo, derramo minhas lágrimas. Por crueldade, está é a verdade do que fantasia meus pensamentos. A cada curvar suave de braços, flutuantes no ar como plumas, crio a ilusão de vê-lo na platéia, entre tantos rostos desfocados. O que para a tal normalidade é mera imaginação, para o sonhador é puro e concreto. Até mesmo quando, tamanho o cansaço e esforço, pego-me livre de qualquer pensamento e somente concentrada na música, sei que está lá - esperando o ensaio ter fim.
9/11/2010

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Passeio dominical

Até mesmo sair na rua tornou-se um tormento. Ouço as memórias vivas de todos aqueles postes inertes  sinto as emoções de que cada parede esteve presente. Gostaria de ser parte deste cenário urbano petrificado (assim como parte do oceano), descoberto por poucos infelizes como quem vos escreve. Tudo resume-se à sensações nostálgicas, à belezas melancólicas - o encanto do que é mórbido.
Ora,a morbidez também os possui.

domingo, 7 de novembro de 2010

Oceano

Mesmo um grande amor é condenado à afundar em um oceano profundo e frio, e como imenso que é, no vasto mar teve vida - suas proporções são comparáveis. O único bem precioso que então resta, é a lembrança dos dias em que vi meu rosto refletir no fundo dos olhos dele, dias em que me vi viva. O resto... As demais coisas não tem salva-vidas ou botes : são perdidas nas águas.
Seria tão bom se também perdesse meu corpo em meio aos tentáculos dela! Seria tão mais confortante! No gelo o tempo não consegue ser implacável, e minhas mãos jovens e brancas assim seriam para sempre - a carne de outrora estaria conservada como esse sentimento sem prazo algum. Na eternidade surgiu e lá permanecerá.
Muitas páginas pertencem às profundezas do meu espírito, que em certos êxtases de emoção sinto-o esvair-se, lutando para ir longe - para onde possa existir de si mesmo, da própria luz clara alimentar-se.
Adormeço no fundo do oceano, soterrada pelo peso da água, acariciada por suas mãos macias.
Aqui permaneço na companhia de belas janelas adornadas com vitrais coloridos, que à menor colisão da luz iluminam de azul meu cômodo. Não há como descansar com tal brilho de olhos oceânicos... Carrascos da degradação. Quando deito, a primeira metade minha assiste, todas as noites, a violenta morte da segunda, testemunhando-na e desejando fazer parte dela. Mas a agonia perdura e sua miserável vida clama por um fim. E como tem sido lento...
Pelos olhos dele morrerei. Nada reconstruirá o tecido corroído, os sonhos inundados, o diamante que pesa no fundo lamassento do mar.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Poeminha


(...)
Querido, o que tens em seu rosto?
Quando deitas a cabeça, não escutas o coração pulsando,
como uma caixa que produz eco e leva o som até o ouvido?

Querido, meu peito segue em estado crítico dessa persistente doença
que há tanto tempo torna seu simplório ato de bater
Meu calvário incessante.

Querido, a vida não continuou.
Apenas meses se passaram- ficou.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Teatro para si próprio


Queria que viessem até mim todos os bilhetes de amor que nunca foram entregues, os tais que condenados foram ao exílio interior de cada amante. Endereçadas à mim as perguntas sem respostas, as frustrações. Alguns chamariam de "conselho amoroso", ou talvez consolo. Mas basta olhar para dentro de si e aceitar que lá existem emoções, de todas as suas formas - não importa o quanto se resiste. Fico ressentida pelos temerários cheios de orgulho, que permitem à felicidade se afastar, com indefinível naturalidade...

sábado, 16 de outubro de 2010

Conclusões de bar

Era um típico sábado à noite no meu cotidiano: Melancólico, sem rumo. Já era tarde da noite quando acomodei minha figura deprimente na mesa de um bar, que lá estava, no final da avenida.
Possuo simpatia por um pequeno grupo de lugares, e estes, peneirados com muito zelo. Por isso  naquela noite resolvi apostar em algo que talvez pudesse render-me, no mínimo, algumas risadas - Pedi a clássica garrafa de vinho barato e limitei-me à observar as pessoas.
Muitas vozes gritando ao mesmo tempo, música inapreciável nas caixas de som- até que uma voz de mulher, carregada de revolta e emoção emergiu acima das demais. Logo, já havia ignorado o ambiente fétido e seus ruídos: queria mesmo era ouvir o que a tal moça iria dizer.
Falava de relacionamentos amorosos, claro. Estava acompanhada de duas amigas, as três muito distintas. Naquele momento, o assunto à ser discutido - e por que não, filosofado - era o motivo de sua última aposta sentimental não ter se desenvolvido. Até que, a moça que despertou-me a atenção, chega na magnífica conclusão de sua questão desoladora: "Já sei! É que eu não estava com meu mini-Santo Antônio na bolsa!".
Queria que todos os problemas fossem assim solucionados, eis a conclusão.
16/10/2010

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Amor felino



Pequena existência, que tanta companhia me faz, veio à mim em uma chuvosa e nublada manhã de sábado. Vi aqueles verdes e tristonhos olhinhos na minha direção e logo não tive dúvida: Este é Syd, o mais peculiar felino da feira de adoção.
Já nos primeiros dias de convivência vi o quanto especial e incomum é este gatinho de nariz rosado. Possui a vivacidade de um típico filhote, mas acomoda-se ao meu lado e lá fica, horas e noites inteiras, derretendo-me com seu ronron. Sabe não deixar-me só.
Não lê poesia, mas sei que entende e também sabe deitar sobre minhas folhas de caderno e lá ficar, sem me deixar escrever por seu capricho de gato. Ao nascer esteve doentinho, por consequência não cresceu muito e não irá crescer; posso ver seus maus momentos de abandono em seus olhos e comportamento afetivo. Pois então, somos uma bela dupla.
Nunca imaginei dedicar tamanho amor à um animalzinho. Syd tornou-se muito mais do que um bichano de estimação: É meu consolo, meu filhote, minha companhia.
13/10/2010

Reflexo

Se um dia lembrares do teu espelho,
de moldura dourada e cheio de finezas,
Permita à teus pés te guiarem até onde o deixaste naquela noite,
- Há tantos anos, no canto do teu palco ja abandonado.

Quando levantares o pano negro que o cobre,
Verás a vida que exilastes: O mero reflexo que sobrou da bailarina
- Que no antigo teatro costumava dançar (...)

13/10/2010

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Nietzsche e Goethe

"Abençoados os que esquecem,
pois aproveitam até mesmo seus equívocos."

Nietzsche

"Somente aquele que foi o mais sensível pode tornar-se o mais frio e o mais duro, para se defender do mais pequeno golpe - e esta própria couraça lhe pesa muitas vezes."

Johann Goethe

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Ecos de Chopin


Concerto para piano número 1, op. 11, de Frederic Chopin, é a extensão do que ecoa em meu peito, corre pelas veias e rapidamente desnorteia. O pequeno espaço tênue que há entre a arte e a alma, chamo realidade, onde o corpo físico habita com um primordial descaso - pois uma alma não precisa, como um todo, de um aglomerado de moléculas químicas para existir.

Há magia, no corredor daquelas notas tão doces e miúdas de certas músicas ao piano (...) Chopin, cheio de lirismo, pureza e encanto delicado. Frágil, sempre vestido com apuro, um romântico incurável em seus imortais 200 anos.

( Sempre estive e sempre estarei disposta a conceder o mundo à ti - embora teus ouvidos bem trainados saibam o caminho à seguir belos e sózinhos. )

26/09/2010

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Brilhe,seu diamante louco!

Agora é começo de madrugada, e penso em uma breve reflexão. Imaginei estar à uma hora dessas no mais profundo sono que eu pudesse ser capaz, mas realmente só imaginei - bem sei que minuto à minuto é jogada mais madeira seca na fornalha desse meu trem à vapor chamado pensamento.
Existe um dito breve, que refere-se à loucura como um passaporte para a genialidade. Ah, isso é a mais sincera verdade e citarei um exemplo incomum de tal prática, fugindo um pouco dos padrões - como os artistas com doenças psíquicas clinicamente tratáveis e etc. Refiro-me à uma "esquizofrenia" criativa e um tanto lunática, que passou a fazer parte da minha vida: Descobri que talvez possa usar tais termos para definir-me.
Meu aclamado e incógnito Pink Floyd, e em especial seu membro fundador Syd Barret. É verdade que muitas coisas não sei sobre sua vida - o princípio não é ser autora de uma biografia - somente entendo com loucura e sensibilidade magistrais sua expressão musical. Quando percebi já havia deixado a imaginação fazer seu trabalho e agora penso: Quantos mais "diamantes loucos "estão perdidos mundo à fora? Andarilhos.
Isso não entristece-me. Penso que, para almas assim errantes, não há um objetivo especificado ou um momento marcado para a morte : A vida ter seu término no mais absoluto anonimato é uma conquista pessoal. Deixo-me ser este "diamante louco", como diz à apoteótica música Floydiana para o "lunatic" Syd.
Minha sincera realização é a elevação dos horizontes, formas de expressão. Como tantos artistas sinto a necessidade gritante de exalar para fora do corpo uma tempestade de emoções. Agora lembre-me de "Sonata tempestade", de Beethovem - mas tanto já falei dele aqui! É alguém para se pensar sem parar. Hoje quero deixar aqui um pouco dessa "psicodelia criativa", que me assola...
18/09/2010

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Deito a cabeça, no travesseiro abaixo do solo
Os flocos brancos da nuvem gelada vieram cobrir meu corpo
Nesse inverno onde onde o orvalho enfraquece a paixão
Das flores no jardim.
Outro tempo, outro dia... A face jamais permanece rubra
Por um momento mais.
Ao virar as costas, deixo um coração de pedra sózinho
E sigo para o lugar onde os calados dão-se as mãos,
Onde o céu fica logo à cima -
Onde os sonhos de amor são puros.
15/09/2010

quarta-feira, 8 de setembro de 2010


Tenho de conviver com o fato de ter muitas opções na vida, muito o que pensar, e lá perder-me. O tal do livre arbítrio.
2/09/2010


Sou a voz tímida que sussurra ao pé do teu ouvido;
O ruído inquietante de passos de mulher, na lajota do teu corredor;
No silêncio impiedoso de certas noites.

8/09/2010

Aniversário

Chega a data em que pela primeira vez abri os olhos cor de mato para à luz. Dessa vez, não tenho a ilusão de celebrar o dia - não há nada para ser comemorado. Quando chega esta época do ano, vejo o quanto o tempo passou e permaneci escorada no muro da estação de trem, observando incansavelmente o ir e vir das pessoas, da maria-fumaça, do relógio gigante... Da vida que seguiu.
Meu dia quatorze  meu temido dia quatorze, meu infeliz correr de tempo, meu desgraçado símbolo de contar os anos. Foram-se as ilusões da colorida infância, onde aguardava-se ansiosamente tal dia - era uma felicidade sem explicação alguma. Nem mesmo lembro-me de tais comemorações, o que resta são só fotos e velhos filmes. A única face de aniversário que conheço é a que vos digo: Solitária e Lúgebre. Nem se ao término da madrugada o sol aparecer gracioso, o dia será concertado - não encho-me de esperanças com mais remendos.
O livro do meu destino vai sendo devorado pelas traças, aos poucos. Creio que por isso quando chega a hora marcada para algum tormento ele vêm já mastigado e destroçado - quando achei que seria feliz foi uma ironia dos insetos.

14/09/2010


Novo ambiente

A fase de adaptação à um novo lar é algo penoso. Existe algo na atmosfera, como um desconforto, e impregna-se na pele. Se algum dia imaginei uma situação assim, na imaginação foi bem menos doloroso.
Lá, deixei muito mais do que a mulher que condenou-me à vida: Deixei naquelas paredes parte das minhas mais profundas lembranças. Sinto falta do quadrado que por tantos anos chamei de quarto, onde tantas vezes fui das trevas para a luz e vice-versa. Sou uma apegada as coisas antigas, uma triste romântica sem solução - uma nova morada deveria ser a injeção de ânimo para uma "nova vida". Deveria.
Vivo em um "ambiente" à parte, onde um piano ressoa sem cessar. Queria poder enxergar as emoções e sentimentos com simplicidade, na sua intensidade real, como a maioria das pessoas que me rondam durante os dias - à elas passo de lunática para despercebida.7/09/2010

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Podes escutar, na calada da noite,
O eco dos meus gritos de dor que as paredes absorvem?
Ou serão, gemidos de amor desesperados,
Indecifráveis fora do meu coração?
No vácuo, o gongo dispara em sua violência
E o sol tornou-se sombra - os olhos podem permanecer adormecidos
Pois os minutos correm como ratos assustados, e logo tudo volta a ser essa calmaria colérica
Que é o sonífero da minha angústia.
19/08/2010

Afastando-se

O ar está pesado e denso demais para ser respirado. Nem mesmo as ondas sonoras chegam até aqui - o único e atormentador som existente é aquele que, há tanto tempo, ecoa dentro de mim.
Preciso escrever, talvez deixar uma mensagem para se, por ventura, algum dia encontrarem esse lugar. É estranho, pois estar aqui é estar esquecida até mesmo por Deus - as paredes parecem ter em sua memória a história do universo. Com seu silêncio petrificado observaram e resistiram anos à fio evolução à dentro. Agora estou aqui, e finalmente posso chamar algo de "meu" e somente "meu" : Minha caverna onde não há amanhecer nem crepúsculo, e não existe diferença entre manter os olhos abertos ou cerrados.
Minha, sim. Feita de rocha bruta, com seu aspecto macio ao tocá-la levemente com a ponta dos dedos. Estar aqui e conquistá-la é tudo o que obtive na minha caminhada em declive pelo mundo lá em cima, onde os dias passam um após o outro inevitavelmente  Arrisco traçar alguma palavra na parede à cego, mas minhas unhas são frágeis e não resistem ao atrito com a pedra : Minha mensagem, assim, será um montinho de ossos bem colocados, pois aqui não há vento algum - como disse no começo, só há um ar denso e irrespirável.
No escuro estou condenada a somente ver oque meus pensamentos querem e que a imaginação dá vida. Começo a achar que não morrerei sufocada ou de fome, e sim, de angústia - a nostalgia também mata. É um mal que, tamanha sua força, destrói a alma e o plano físico. Penso: Relaxe, a dor está no fim, e logo não sentirás os lábios sedentos dos beijos de outrora.

18/08/2010
Uma história de paixão desigual -
ainda o amo mais intensamente do que ele jamais amou-me.

18/08/2010

domingo, 8 de agosto de 2010

"... como uma louca a noite mentia de dia... "
(Clarice Lispector, "O lustre")

Colcha de retalhos

Sinto-me o último desgraçado na fila para o céu ; sinto-me um mortal esquecido por Deus -até mesmo por ele, que como papai noel, dizem não esquecer de ninguém. De tanto ser reduzida, tornei-me poeira, mas não foi suficiente -em um lento e tortuoso processo fui refinada, refinada: Agora sou menos do que ninguém e mais leve, fina, insignificante e pequena do que um grão de poeira.
Nada mais acalma a angústia, que, como um câncer, hoje percebo que se alastrou devorando as partes ainda sadias. A cabeça dói como jamais antes doera: Será que a morte finalmente cansou-se de levar pessoas inteiras e lembrou-se de meu endereço? Ah! O destino é meu inimido invisível e intangível de todos os dias: Costumo dizer que ele gentilmente prega peças em mim.
Não descanço à dias, o sono é algo tão superficial que é quase controlável. Estou com a cara de zumbi habitual, em inércia. Preciso de força, ânimo! Porém as correntes prendem-me -ou será que não? Eu posso ser a própria corrente.
Quando darei mais um remendo no meu tapete e continuarei a andar, ainda que por alguns dias? Queria muito mostrar-lhe, caro papel, que bela colcha distinta é meu interior: São tantos buracos remendados com os mais diversos pedacinhos de tecido. Na verdade, ela já é assim por inteiro, e talvez agora seja possível imaginar as dimensões do sofrimento -uma alma inteira remendada com seus fios frágeis e paninhos podres. Cada fenda, requer tempo para ser costurada: Tempo, tristeza, angústia.
Rezo para que ela se desfaça e seus retalhos sejam espalhados pelo céu -acho que eles merecem uma morada melhor no fim de tudo, pelo esforço de manterem-se unidos.
31/07/2010

Fogo e fungo

Meu coração está apertado, falando por si próprio, domando todo o pouco que resta de consciência.  As forças foram sugadas até o último grão que havia no fundo do último tacho - na tentativa de não morrer de fome.
O amor deixou à muito de ser a chama que aquece, conforta e traz alegria, para ser o fogo que simplesmente queima e deixa em cinzas onde passa - até mesmo seu berço de outrora, amor ingrato! Destrói o peito que um dia, tão doce, o deixou crescer e fixar suas raízes, tão belas quanto traiçoeiras. E, quanto ao veneno, é como um fungo que se alastra e torna a madeira podre.
Assim definho, e esta noite escrevo pois a doença avança rápido. Nem mesmo a luz, de suma importância para escrever, suporto: traço os contornos na penumbra.

13/07/2010
Se a vida fosse consumível, atear-lhe fogo eu iria.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Jardim do refúgio

Ela deita na grama verde e plana: presenteia si mesma com tal prazer.
Estira a pequena existência - que anda e pode ser vista a olho nu - por entre tal tapete aveludado, como se ali a alma pudesse desapegar-se do físico mais facilmente, e planar junto à brisa de inverno.
Desliza a mão trêmula pela terra orvalhada, manchando-a com a fuligem branca que o molhado do chão tirou do seu esqueleto, já pálido e desmanchável como o giz.
Na companhia dos arbustos e pequenos pássaros é onde ela quer estar ; aperta a terra negra contra o peito : A paz encontrará na morada do jazigo perpétuo que breve estará, abaixo do verde.

domingo, 4 de julho de 2010

Echoes

(...)

"Um milhão de brilhantes anunciadores da manhã
E ninguém canta canções de ninar pra mim
E ninguém me faz fechar meus olhos
Então escancarro a janela
E te chamo através do céu."


Exílio parte 8


Não consigo escrever nada ultimamente que não seja um - denominado à tempos por mim mesma - "desabafo" . Tenho usado as palavras como calmante, distração, arma, não sei : Dê o nome que achar mais propício. Escrevendo aqui falo com meu interlocutor, imaginário, fruto da minha fuga da realidade.
Em noites como esta, trancafio todos os poros que possam servir de passagem para o desgaste mental que há além da porta do quarto. Deixo a música ao pé do ouvido, pois assim não ouço os sussurros solitários da doença dela - só eu sei o quanto são ensurdecedores, por mais lentos e cochichados que sejam : Ela não faz questão de que sejam perceptíveis só à ela mesma; parece ansiar pelo compartilhamento.
Então ouço Debussy e sua calmaria cheia de sonífero. O sentimento suave e de elevação da música até o céu falam por meu fatigado espírito. Diálogos do vento e do mar, faunos, canção para adormecer, neves que dançam, jardins... Uma lua que chora. É um pouco de mim. Ontem á noite ao fugir do plano intensamente, a música falou por mim, transmitindo
à todo instante o que eu gostaria de balbuciar e sentir, como em um filme mudo. Assim, comuniquei-me com minhas grandes amigas noite à dentro.
Bom, agora tudo parece mais calmo; chá doce e quente na xícara. Até ás lágrimas deram uma trégua. Mas o que acontecerá quando tentar dormir? Eu devo?
3/07/010

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Parte minha, sim

Desci do ônibus lotado ás dez para às oito da manhã. Sentia-me cansada pela insônia que roubou-me a noite de sono, na qual agonizei até a hora do relógio tocar seis e meia. Jurei - mais uma vez- que faria o esforço de chegar ao portão da escola e entrar, mesmo que para fazer absolutamente nada olhando ás horas angustiantemente até a saída. Não consegui novamente.
Mais uma vez a chuva despencava, e a noite ainda não havia dado lugar ao dia. Não sentia meus pés caminhando, só sabia que rumavam para casa - sim, ainda chamo desta maneira o cárcerer-manicômio que habito. Pé após pé eu estava sentada no banco fétido do ônibus. Irritei o estressado cobrador, pois não achava o dinheiro na bolsa, ah, mas isso não importa- ele também não tem culpa de nada.
Chegou a hora de descer; havia uma alegria anciosa por estar perto do destino. Foi então que ao desviar os olhos da linha reta por um instante vejo um rapaz, pálido e loiro, vomitando no ponto de ônibus. Estava à levar uma mochila, talvez estivesse indo estudar, estava tão sereno! Como se não estivesse passando mal, ou como se ninguém o visse : Em um quarto fechado. Nem mesmo fazia barulho com seu gesto... Era silêncioso.
Virei os olhos novamente para frente em questão de dois segundos, estranhamente enojada e hipnotizada pela imagem da qual pareci tirar uma foto instantânea. Quiz vomitar também; quiz voltar à chorar. Queria que meus demônios pudessem comportar-se desta mesma maneira, e deixassem meu espírito em paz. Talvez se assim tivesse sido na noite anterior, eu tivesse descansado - mesmo que com acidez na garganta. Só penso que Nietzsche possa estar certo ao dizer " Ao matar seus demônios, cuidado para não destruir o que há de melhor em você. " . Será que eles também são eu?

28/06/010

domingo, 20 de junho de 2010

Exílio parte 7

Minha existência é vazia e comparada com o verme oco e imundo que vaga pelas sarjetas.  Estou em conflito com meu coração, pois todos os sentimentos que habitam meu corpo não deixam-me viver - viver plenamente e em paz.
Sonho, todos os segundos , com tua volta. Hoje vi teu rosto na minha memória, mas era diferente, havia uma expressão diferente. Tu estavas sorrindo, com o largo e belo sorriso que sempre teve, com os olhos azuis brilhando. Não há como explicar o impacto com que tão singela lembrança me atinge.


4/06/010

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Dr.Watson: Por que não se alimenta?
Holmes: Por que a mente funciona melhor quando se passa fome. Ora, meu caro Watson, como médico você precisa admitir que o sangue usado na digestão não vai para o cérebro. E eu sou um cérebro, Watson. O resto é mero apêndice. Portanto,preciso pensar no cérebro.

Ah, Holmes entende minha maneira de viver.

Dois corpos

...Ele repousava sobre o seio dela, redondo e macio, ouvindo suavemente o pulsar de seu coração ao pé do ouvido.Lá ele adormeceu, protegido...Quente,em meio o aconchego delirante do corpo de mulher. Tão doce e branca, envolvia-o em voluptuosas sensações: Ele dizia ser "o melhor lugar do mundo". Dois corpos apaixonados entrelaçados, desejando parar o tempo naquele momento. Dormem, abraçados - um é parte essencial do outro. Acordou, ainda sonhando, e passa seu braço levemente sobre a cintura fina da mulher, e depois, pelas curvas ds lindas costas desliza suas mãos. Desperta-a do sono, direto para o amor inexplicável que os dois sentiam ao primeiro toque do amado: Nenhuma palavra precisava ser dita, apenas um sussurado "eu te amo".

17/05/2010

" O amor de verdade não se esquece, se SUFOCA. "

Poeira Espacial

Lia é uma poeira que vaga, sem rumo, pelo cosmos.
Perdida no infinito do espaço, vê o universo em inércia quase total - há alguns pontos brilhantes que às vezes acenam à ela ligeiramente, dando-lhe boa-noite.
Boa-noite, não desejando um bom descanso, pois todos sabem que nunca pára: o vento não pára. Boa-noite, para que bons sopros levem-na, na companhia da lua. Vagar à luz do luar é como estar acompanhada todos os minutos - a noite e sua beleza são suas eternas damas de negro e branco.
Quando mais evolui, menor fica ao plano comum da existência: ao uivar da tempestade que aproxima-se ela é soberana. Mesmo na brisa mais frágil - que leva os cabelos em um dia de sol e frio - é ela em um passeio diurno... O sopro que varre as ruas imundas e,que nos dias de feriado, é absoluto.
Lia deixou de ser parte da mobília de um quarto para ser uma poeira cósmica. Troca justa, pois vagando junto ao vento ela pode crescer : as portas não ficam cerradas - para um fragmento do vento não há portas.
Leva consigo, a última folha que despencou do outono*.

9/05/2010

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Exílio parte 6

A memória é só o que resta - e a lembrança o estopim da saudade, que desce sua lâmina fina sobre meu corpo.
Ao acordar pela manhã é como se o arquivo de alegria da noite passada tivesse sido queimado: respiro-o em todos os despertares como se pela primeira vez. Vejo-o quase que algumas vezes - sempre de costas para mim - perdido nas madrugadas frias e chuvosas. Por tantas vezes desejei correr e abraçá-lo! Tão desamparado, ao relento da noite. Mas, tive de seguir caminho, desbravando a neblina (quem agora madrugada à dentro perdia-se era eu) e não pude voltar : meu coração insistia, debatia-se no peito, gritava! Queria dar meia volta (...)

8/05/2010

sábado, 1 de maio de 2010

O perfume que as rosas ainda exalam


Estou enfrentando o tempo, intempestuoso e aterrorizante. Ele é irremediável: Arrasta os sonhos, os desejos e as preces. Decreta o fim dos amores e os mergulha no mar profundo do esquecimento, onde há, para os loucos românticos - como eu- uma fina linha tênue que o faz permanecer ligado ao presente, para sempre.
Há batalhas que não se pode ganhar com a obliquidade do destino, mesmo tendo lutado o tanto quanto pode. Não arranquei dele a morte do nosso amor, e, quanto aos restos, só o tempo desvendará os escritos até então indecifráveis.
Sentada no sofá aveludado, a chuva que cai lá fora nesse 22 de abril, quebra-se no vidro e desfaz o silêncio - que certo dia achara uma bela morada nesta casa. As emoções dançam... Nada jamais mudará em mim. O café ruim esfria; perdi-me mais uma vez no vácuo.
Nunca mais andei tranquila pelos parques e suas estradinhas floridas, desde que ele foi embora. Sou irremediávelmente tomada de amor, e assim, abro os livros onde guardei as rosas que ganhei dele, e lá está a felicidade de outrora imortalizada, seca e bela. Ainda sinto seus perfumes... Como no dia em que trouxe cada uma delas.
O perfume, tão sutil, é o amor vivo e intocado : Como tudo o que é vivo, morrerá só junto à minha carne.
22/04/2010

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Mais próximo do céu

Tchaikovsky e sua serenata para cordas, a música que chegou ao abismo mais profundo da minha alma - só um pouco humana. No terceiro movimento, desconcertou-me quando - em êxtase - cerrei meus olhos e entrei em uma anestesia  - uma existência anestesiada - a medida que a música devastava-me por dentro.
Ela percorria vorazmente meus bosques já gélidos, arrastando consigo os lírios que ainda permaneciam entre o verde congelado. Nesse momento, senti meu corpo ir e vir - flutuando - como o mais próximo que já estive do céu. Com a emoção trancada no peito - à pulsar cada vez mais rápido - deixei-a sair em um rio atormentado de lágrimas, talvez evocando as forças celestes que lá pairavam no ar: no momento de desespero clamei ao amor, terno e eterno.
Era já noite ao término do concerto, levantei-me levemente, andei aos passos mais suaves -ainda estava em nostalgia. Vertia dos meus olhos a melancolia: só queria um abraço para confortar-me.

11/04/2010

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Faço de qualquer lugar, uma formosa tragédia literária, com dois compositores e uma sala de concertos. Faço então desse lugar um sublime portal à outra dimensão.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Sonata quasi una fantasia

"(...) Ondulações silenciosas de dó menor sucediam-se, suas tonalidades misturavam-se e se dissolviam. Bem abaixo delas, oitavas vazias moviam-se com extrema lentidão, enquanto as ondulações dificilmente mudavam de nível. O efeito era de um conjunto de harmonia quase imóvel:
águas escuras perante a lua subindo no céu. Quanto um tema de fato flutuava acima(ainda pianissimo), era o princípio mais monotonal do que melódico. A nota em sol sustenido repicava suave e repetidamente. De vez em quando um nono menor, uma das dissonâncias mais penosas em música, fazia tremer a superfície do conjunto até que as ondulações a suavizassem por completo. Durante mais de seis minutos persistiu esse equilíbrio hipnótico de ação e inação, concentrando-se no paradoxo de um clímax sem aumento de volume: a música simplesmente se evaporava em um tipo de névoa espiralada que caía sem condensação."

"(...)Quando,depois de mais de três horas e meia de música,Beethoven iniciou o solo da iontrodução de sua Fantasia Coral,Op. 80, a música era quase tão inédita para a orquestra quanto para a platéia. Ele escrevera grande parte da partitura só no último minuto: a tinta na partitura de algumas vozes,segundo um participante,ainda estava úmida."

Edmund Morris,biografia de Beethoven,2005.

(Devorando-o e enlouquecendo,angie.)

quarta-feira, 17 de março de 2010

Poema da bailarina

Danço,com a beleza clássica de bailarina
As valsas que nos embalaram.
Hoje, solitária, não há alegria nos pés sapatilhados:
Só entusiasmo lúgebre ao compasso da música.


Danço, para espantar os fantasmas

E afugentar o frio das tardes de junho.
As folhas do outono já despencaram,
E o campo de folhas mortas agora é meu palco.


Danço, como as papoulas de Morpheu,

Fazendo a cidade adormecer com sonífero:
Um sonífero doce, feito de violinos.


Danço, pois a música entorpece-me.

Não há mais sono; é meu único consolo:
Dançar, e não secar jamais.


13/03/2010

quarta-feira, 10 de março de 2010

... Quanto á loucura, desse mal não melhorarei. 
Aceito cantar a angústia e o amor em verso: deixando a lira tocar sou eu mesma.

Visita

Todas as noites vou até teu quarto - fétido
Velar teu sono embriagado de menino.
Em pensamento, deslizo as mãos por teus cabelos louros e despenteados
Como uma criança que afaga a boneca.
Está frio... Os sonhos também sentem sensações - Reais
Na imaginação do poeta louco de amor.
Abraço teu corpo magro, única morada do meu sincero carinho:
Uma lágrima despenca;caí sobre tua pele
É melhor ir - antes que tu despertes,anjo.

5/03/2010

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

"não falo, não suspiro, não escrevo seu nome. Mas a lágrima que agora queima a minha face me força a fazê-lo"

“A noite chega, os poetas acordam e vão sair à procura de seus versos e poesias, acreditando que ainda existe o Verdadeiro Amor.”

Lord Byron

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Ao Amor Antigo - Drummond


O amor antigo vive de si mesmo,
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige nem pede. Nada espera,
mas do destino vão nega a sentença.

O amor antigo tem raízes fundas,
feitas de sofrimento e de beleza.
Por aquelas mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.

Se em toda parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante,
a antigo amor, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.

Mais ardente, mas pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.


Os Benefícios da Lua - Charles Baudelaire


"A lua, que é a própria imagem do capricho, olhou pela janela enquanto dormias em teu berço, e disse consigo, mesma: - "Esta criança me agrada."
E desceu maciamente a sua escada de nuvens, e deslizou sem ruído através das vidraças. E pousou sobre ti com um suave carinho de mãe, e depôs as suas cores em tuas faces. Então, tuas pupilas se tornaram verdes, e tuas faces extraordinariamente pálidas. Foi contemplando essa visitante que os teus olhos se dilataram de modo tão estranho; e ela com tão viva ternura te apertou a garganta que ficaste, para sempre, com o desejo de chorar.
Entretanto, na expansão da sua alegria, a lua invadia todo o quarto, como uma atmosfera fosfórica, como um peixe luminoso; e toda esta luz viva pensava e dizia:
- Tu sofrerás eternamente a influência do meu beijo.
Serás bela à minha maneira. Amarás o que eu amo e o que me ama: a água, as nuvens, o silêncio e a noite; o mar imenso e verde; a água informe e multiforme; o lugar onde não estiveres; o amante que não conheceres; as flores monstruosas; os perfumes que fazem delirar; os gatos que desmaiam sobre os pianos e gemem que nem as mulheres, com uma doce voz enrouquecida!
E tu serás amada pelos meus amantes, cortejada pelos meus cortejadores. Serás a rainha dos homens de olhos verdes a quem também estreitei a garganta em minhas carícias noturnas; daqueles que amam o mar, o mar imenso, tumultuoso e verde, a água informe e multiforme, o lugar onde não estão, a mulher que não conhecem, as flores sinistras que sugerem incensórios de alguma religião ignota, os perfumes que turbam a vontade, e os animais selvagens e voluptuosos que são os emblemas da sua loucura.
E é por isso, maldita e querida criança mimada, que estou agora prosternado a teus pés, buscando em toda a tua pessoa o reflexo da terrível Divindade, da fatídica madrinha, da ama-de-leite envenenadora de todos os lunáticos."

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Os dias se vão, pois é assim que a roda da vida não para. Dias perdidos, dias sem glórias - DIAS SEM AMOR.
Queria tê-lo agora, preciso tê-lo olhando em meus olhos novamente! És tu, a imagem refletida no interior deles, sangue derramado no rio verde.
Vazio. Faz calor e meu corpo congelou-se, no frio das madrugadas pesadas, que tornam-se dia contra a minha vontade. Vago só pelo mundo, em meu andar lento... Deixando rosas por onde passo.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Shakespeare


"Tal como a sombra,o amor corre de quem o segue:Foge,se o perseguis;se fugis,vos persegue."
(As alegres comadres de Windsor, W.Shakespeare.)

No palco

Lágrimas despencaram dos meus olhos, borrando a pintura escarlate do rosto. Te procurei por entre a platéia indigente e depois procurei um lugar para um sono profundo: meu corpo congelara.
Queria poder arracar meu coração do peito e guardá-lo em uma gaveta escondida, onde ele batesse só, sem ferir-me a cada tentativa de mantêr-me viva. Queria ter ganhado um único aplauso. E talvez palavras doces de orgulho acompanhadas de um abraço.
Não há como dar pontos e encerrar. Ao término da música eu sangrava desesperadamente de dor e saudade! Tive esperança sem querer tê-la. Estou perdida pelos palcos; esses que agora possuem só a doçura melancólica dos meus olhos que ardem.
Naquela noite, morri por dentro.