quarta-feira, 24 de julho de 2013

Fragile jazz

Espremendo-me por vários mundos, tento fundi-los numa mesma atmosfera e sou sequestrada.
Meu corpo desce escada à baixo, após ouvir a música que vinha do salão principal - mesmo entorpecendo-me paralelamente e muito distante - é onde encontro meu centro de utopia: para o fantástico, para o aspecto rítmico, para o tipo dançante, para o pouco espaço.
Sou a tontura indefinida de todos os presentes, pendendo para os lados. Rogo para esfaquearem-se em seus beijos longínquos. Procuro o consolo: a languidez é meu afrodisíaco.
Quanto mais de perto te olho, mas bonito ficas e deitei meus olhos verdes na expectativa. Mas não sinto vibração alguma, apenas o frio congelando meus pés e subindo para as panturrilhas.
Na meia luz da manhã, alimento-me do choro exaustivo e nauseante de uma tola em espera. 

terça-feira, 23 de julho de 2013

Poema de Gabriela Leal

Para Lia
"O querubim mais velho se matou
Umas 66 vezes
Depois pediu afastamento por escusa de consciência.

Foi enviado então o único que quis
(convites para festas todos aceitam,
mas depois que fazem um trabalho fogem de desespero
ou viram sádicas crianças até caírem no vício e desaparecerem em algum pedaço de terra)

Esse vinha triste de nunca ter encontrado um amor para velar
E quando chegou lá viu o tamanho do estrago:
O outro havia abandonado eles sozinhos por muito tempo,
Cada um definhava morrendo um dia por noite separados,
Se alimentando do amor no ar que sopravam oceano à fora um para o outro.

Já com a primeira flecha que o outro enviou (e que ideia a dele, veja você) a sereia havia rasgado o corpo para poder dançar como no conto
E ele aceitou um laço de gravidade, um anel e o azul melancólico dela como a cor do seu coração.
Ela cicatrizou com sua pele, seu sangue e aceitou um anzol no céu da boca.

Logo reparou que ela não dormia nem comia direito
Ele bebia cada vez mais
E os dois estavam sempre largando o pó ou indo ao pronto socorro.

Ou olhando a lua tentando fisgar o anzol ou apertar a gravidade
Suando em sonhos
Morrendo um dia por noite
Ao lado de qualquer uma, qualquer droga ou um gato.

Ela escrevia, ele compunha
Ela dançava, ele ensaiava,
Os dois tinham um projeto.
E a partir daí o novo anjo começou a entender:
O outro era um maldito esteta
E eles são uma obra se transformando
- rasgando aos pedaços quantas vezes for preciso
pra ficar ir cada vez mais alto.

A questão era como ajuda-los a partir daí
Sem entrar em delírios de esteta também
- olhar para as frágeis criaturinhas
(há quanto tempo sem comer?)
Nem esperar a arte pela arte, nem dominá-los pela arte

Talvez apenas trocar a lâmpada de um farol
E eles reencontrem o caminho
Depois de beber tanta água escura
Para esvaziar o oceano e ficar apenas deitado sob a lua,
Ficar doente da lua,
E esquecer o outro."

Gabriela Leal 
Julho/2013

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Junho, em II atos

I Dedicatória
Revirara o mundo dos sonhos. Suara meu corpo em transparência etérea. 
Cada qual criando o próprio tempo de perceber o cansaço, a maciez e o fardo -
todos tão próprios e tão próximos.
Em meu olhar difuso, repouso comprimindo o que ao amor antigo pertence
Embalando à vácuo (em fenda do tempo) e em sonhos afoitos envolvendo a face do amante - 
como uma manta de sangue empapando minha vida.

II Observação
Apaixonado por outra.  
Ela chegou de trem e agarraste-a pela mão, pontualmente as 15h, em uma data qualquer de junho. Cecília é o nome dela, que caíra na peneira sentimental dele.
Houve delicadeza e elogios - palavreado que somente consegue expressar coisas do mundo da forma.
Cheguei à estação quase escorregando na margem dos trilhos, dobrando a esquina, asquerosa em meio a rotina que tanto me consome: dinheiro para fingir-me de independente, dinheiro, para beber até libertar um dos seres que habitam em mim, dinheiro sorteando quem desejo ser.
Pedi aos pombos que ali fatigavam ainda mais a correria, licença para chorar.
Fiz gestos de ludibriamento - e tu de ausência de amor.  
Ocupei meu assento na omissa ocupação de ser amante.
Levou-a para seu apartamento, finamente encubado com todo cuidado: folhas pegando fogo, incenso queimando, perfume borrifado. 
Mas a atmosfera tóxica comprimiu, ar novo não entrou. Cecília sufocou-se em vinte minutos.
Na espreita, o acolhi com o cadáver e disse:
- Observe, é a revoada de fumaça! Preste atenção: leve as cinzas, ajude a evaporar o lodo que contém a água, desove as sementes para a nova floresta.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Solitude

Debruçada na janela, esquecera de que é quase inverno, que chovera o dia inteiro e que ainda despenca uma sutil garoa. Quando voltara-me para o quarto, uma sensação vertiginosa  beirando o afrodisíaco, selara-me - como se com nitrogênio congelasse-me. 
Passei a tremer de um frio incalculável. É estranheza da auto suficiência, que abre suas trilhas pelo meu ser - batendo os dentes. 
Solidão extrema, que ao mesmo tempo não poderia ser preenchida por alguém: agonia da solitude.