terça-feira, 30 de outubro de 2012

Exílio parte 37

O sol contra teus cabelos loiros cega meus olhos e enruga minha pele. Calo minha flor ainda em seu desabrochar. O estopim do pranto surge na menor chacoalhada do frasco em que, com conhaque, conservo tuas lembranças. 
Doídas, ficam a transitar pelo meu presente, vêm facilmente, engajadas em um lampejo de memória - simples, como tua maneira solitária de tocar violão.
Transito pelo mundo que temos em comum, que obténs naturalmente junto a uma companhia feminina qualquer. O que de mim é exclusivo e te privas, é a doçura que não mais brilha em ti como ladrilhos na luz. Tocas como sempre de rosto baixo, postura esquiva, pés entrelaçados - porém não mais adocicados.

domingo, 28 de outubro de 2012

Exílio parte 36

Canto triste
Cisne emudecido
Calado pela confusão
Compilação de sensações.

Muitos instrumentos andando ao mesmo tempo, passeando ao lado de um inquietante ruído. Mantenho-me distante, em algum instante sóbria.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Exílio parte 35

Senti o frio mais intenso de toda a minha vida. Fiquei congelada até minha última célula. As lágrimas escorreram, porém ao deslizarem solidificaram-se. Um amigo, perguntou-me o que eram aqueles pontos em meu rosto, que nunca havia notado... Pois bem, eram cubos finos de gelo salgado.
Primeiros suspiros primaveris... acordo e a tarde já é alta, meus olhos não querem se adaptar a luz diurna. O sol, embora deslumbrante, é vivo demais para meu estado convalescente. E também, agora de cabelos cor de cobre, sou meu próprio reflexo brilhante pelo dia e luz elétrica à noite. "In the light"

De outrora

Desci para abrir a porta e em tuas mãos trazias flores vermelhas.
Como elas, só nossos lábios manchados de batom e marcas de boca pelo teu corpo-
pescoço, peito, coxa.
Açúcar sempre espalhado.
9/08/2012

Cama

Exprimo na face o rumorejar da noite.
Pela manhã são evidentes as longas horas de tentativa de descanso.
O colchão fica dentro de uma garrafa que remexe-se jogada ao mar.
Deixo-a completamente amassada, enjoada, com cheiro de peixe
                                   e escamas.

Pó de vidro

Vidros não temperados como facas, ferragens de aço e ferro como poderosas navalhas. Começo pelo final a história de um acidente que ocorreu nas ruas vazias das frias madrugadas de Porto Alegre, em uma noite qualquer - pois para o acaso, não há o diferencial, não existe o escolhido previamente. E mesmo não chamo o acontecido de destino, pois seria tolo culpa-lo por imprudências já conhecidas. Recordo hoje, lembranças de uma madrugada aterrorizante que Lia enfrentara.
Ela conhecia bem para onde estava indo, mas só sabia desde o princípio que não queria ser levada - e mesmo assim não impôs com a veemência necessária sua vontade. Demasiadamente exausta para usar todas as formas de expressão do corpo, nada estava a sua disposição. Penso que fora arrastada pelo medo - sentira medo do rapaz, seu falso companheiro, violentando-a psicologicamente. Não decidia se emudecia ou entrava em convulsão.
Por volta das cinco da manhã os dois deixaram para trás o apartamento confortável de um casal de amigos, embora os sinais de insanidade do amado de Lia já estivessem manifestando-se, o álcool fazendo-se presente, foram-se. Ela percebera a maldade com clareza logo depois ao olhar seus olhos de lobo, em cada palavra dita - vinda da obscuridade de sua alma. Era como uma criança indefesa ao lado de um predador à solta, dirigindo um carro e vertendo sangue dos olhos. 
Via-se constantemente como espectadora de fora, captando as cenas com perfeição assustadora. Pensava em que lugar aterrorizante estava, começando a chorar- desesperada - quando o carro parou e ficara literalmente sozinha. Viu-se naquele submundo deprimente, escuro, íngreme, nenhuma ser vivo atrás e na frente,  somente um cachorro ao lado dando seu passeio noturno. Temia por não presenciar a próxima manhã, calor e frio passavam por seu corpo como correntes elétricas, uma espécie de febre interna a fazia transpirar.
Sentia toda a violência que aquele lugar ostenta, como troféu nas mãos de quem faz do mundo uma casa ainda pior para se viver. Em imaginação, via as pessoas-zumbis deslizando pelas pedras da ruela, montando no carro e desejando se apossar de qualquer material. Tornou-o uma esfera inviolável... Tão frágil em realidade. O corpo não acompanhava o ritmo das lágrimas e o frenesi de seu espírito - permanecia parada, estática sem mesmo mover os lábios para falar. O que os levara até lá, não causou um apagamento ou mera euforia instantânea, jamais seria justificável. 
"Estamos no inferno, amor." fora dito para Lia como que para ilustrar seu pavor. Para seu amante infiel era pura diversão, antes e depois de voltar ao carro e finalmente arrancar do beco nada agradável. A frase fora expelida, para ser mais exata, em pleno declive do morro. Colocara tudo em uma gôndola, passando pelo rio de almas, rodando para o reino dos mortos. Misto de bicarbonato de sódio, tripas, anfetaminas, poeira, farinha de trigo e pó de vidro - tudo quase diluído. 
O caos reinando. Lia escutara gritos vindos do inferno em total solidão - clamando suicídio. Não seria prudente o casal engatar uma nova tentativa de vida, o universo fora muito coerente: as mãos que seguravam o volante brincando falharam e o choque frontal contra outro carro estacionado fora fatal. O sangue que fervia, fora para o congelador - em forminhas- para solidificar-se na gaveta do purgatório. Não houve som algum de teclas de piano ao término... Somente as gotas do sangue chocando-se, tilintando pelos vidros quebrados espalhados pelo chão.
Gélida, Lia tentava debater-se mas o corpo físico não respondia. Saiu para fora, podendo sentir toda a dor de sua carcaça, retalhada por navalhas, sem intenção de lapidá-la. Enjoada, via do meio da rua seu corpo ainda sentado no banco do passageiro, com os lábios vermelhos do batom que usara para sair.
11/08/2012

Perseverança

Perseverança é a natureza tentando emergir sobre o concreto da cidade. A abelha, rainha do meticuloso milagre natural, luta pela própria existência rastejando-se pela calçada entre uma pista de carros e uma de ônibus.
Arrasta-se, sim, pois suas ágeis asinhas já não existem mais. Os veículos passam, ela rodopia rente ao chão, pousa novamente, esperneia de barriga para cima- e volta a escalar a tampa de bueiro onde parou.
Aguardo o semáforo para atravessar, sem conseguir desviar os olhos da pobre criatura a menos de um metro dos meus pés. O sol intenso agora cega-me e só consigo enxergar as listras amarelas da tão queria abelhinha - aguardando o final de sua vida no meio da verdadeira selva, tão distinta de seu lar natural.
14/08/2012

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Coração humano

A carne do coração é intrigante, bela e inquieta. Movimenta-se, em sua dança permanente e audaciosa. Qualquer erro na perfeição e voltamos para a natureza de onde viemos...
É possível sentir o equilíbrio da máquina orgânica se esvaindo! Essa noite tento controlá-la - odeio-me! Não sou habitável, sinto medo. Imagino continuamente como é o interior do corpo - literalmente. Toda a carne molhada, sangrenta.
Uma mão aperta meu coração, pressionando-o e produzindo barulhos - sem distinções daqueles criados ao apertar um generoso pedaço de carne do açougue. Diria, se quisesses saber como me sinto, para pensar em mim e acender um fósforo - e então colocar o dedo na chama e tentar pensar novamente. É assim por mais essa noite, querido lobo.
Continuo desde sempre perdida, suprimida por essa carne de que sou feita. Reprimo mas não consigo fugir: a morte eminente assola meus pensamentos.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Prólogo

A bailarina encerra seus passos. Não mais avançarei em direção à ti.
Dispenso a mediocridade com que levas a vida. Insisti no erro, em um mal que não se cura: o desejo é o combustível da alma, e todo o teu desejar é imundo... Gostaria que a chuva torrencial que inunda as ruas hoje o levasse por inteiro - arrastado pela correnteza junto da sujeira das calçadas, pisoteadas. Homogêneo.
A humilhação é uma visita incômoda. Tua fraqueza necessitava me mutilar para sentir-se forte. Cruzou meu caminho, vaidoso, cheio de si, frio e obstinado a fazer-me sem valia alguma. E nessa falta de sensibilidade, há quanto tempo eu exclamava minha exaustão?
                             

Dias cinzas, de névoas quase palpáveis, angústias espessas!
Vão-se os anéis... ficam-se os dedos, desapegando-se de velhos hábitos.
Retorno a casa na quietude da noite, em prantos de saudade - pedindo a qualquer entidade que sintas o mesmo!

Mas há ânsia incessante, vinda dos abismos do meu coração.
Enjoo- minha alma desejar expelir esse amor!
Dominada pela pressão... deixando-me levar  submergida no vazio
torturo-me de tal forma que me distancio até mesmo das palavras.

O pano que cegava olhos de amante,
fora derretido com lágrimas ácidas.
A queda é inevitável e o fosso profundo - temo ser interminável!
Mas após a árdua escalada para cima,
a plenitude espera-me?



10/10/2012

A toca

I
Dormi para morrer entorpecida
e mesmo assim desperta-me
                           Com tuas vibrações aquecidas.
Em meio a mãe natureza amanhecendo
O dia surge para mim em tua música úmida que, tão perto
                           Desnorteia mútuos sentidos.
As folhas secas da mata - soníferas
Então cobrem-me.
                           O corpo adormece para defender-se.

II
Tua cozinha do pensamento acendera.
As horas são devastadoras
                             - culpa, culpa!
Entrega-se pela trilha de galhos quebrados,
confia que encontrará a cabana desconhecida.
Guia-se pelo aroma de jasmim -chamando pelo anjo
e de fato crê tê-lo perseguido.

Energia pura inunda teu coração.
Rapidamente o semblante, outrora de êxtase
Fenece como essência de flor se não retirada.
Depara-se com uma toca fechada,
apenas com a lama seca da falta de esperança.

Insensível,
passou despercebido pela aura púrpura.

Levado, massacrado, o garoto
desce o acampamento com sua pilha de lenhas nos braços
De rosto incendiário,
abrindo o fosso que separa-nos.


III
Longe de ti o único tempo é o presente.
Danço com a correnteza do rio que sempre flui
Como pano branco lançado na água.
Mas ainda, sem demora
Soluço silenciosa
No barro encharcado da toca.

A invisibilidade...
Será benção?
Será desgraça?


14/10/012

Exílio parte 34

É tão simples... Sinto que nosso passado é o futuro. O amo desde o ontem, cortando as horas do hoje e tornando-se uma seta - traçada de vermelho - indicando o amanhã.
Choro ao despertar na manhã quente de outubro. O hálito amargo exala aos soluços, desesperados, 


tocando o ar que todos os angustiados do mundo respiram.

17/10/012