quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Exílio parte 27

Ouve respirações ofegantes em suas costas, atrás da música de Chopin. Hoje até a pouca felicidade é ilusória, por isso dizem que sopros de cura do universo salvaram a pequena Lia. Noturna, que têm passado as noites abaixo do claro amarelo do abajur - sangrando e inutilizando os lençóis.
A semente fora expelida sem piedade: foste expelido, por dias à fio, com aflitivas crises de pranto e dores de baixo-ventre insuportáveis. E ainda és! Algo espera uma decisão para cessar o martírio. Avisos frios, desesperados, têm surgido. Causam-lhe raiva,pois não há como ignorá-los: é punida pela própria falta de amor a si mesma.
Diante de sua situação disfarçada, confessa-se a exaustão, debilitada sem consolo. "Ele ainda trocaria teu amor por noites de farra minha querida, e após sete dias, por hoje, busque sonífero." Digo-lhe pausadamente.
O mundo toma outras formas quando estão juntos, porém a menor distância apaga a presença de Lia. Leva as mãos ao rosto, os dedos grudam no rímel deixando rastros negros no rosto pálido... Sua doçura torna todo o resto demasiado descolorido e frágil?

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Em meio ao desprezo, a roupa íntima mimosa, vermelha, penetrou na pele queimando de fogo o entubado e jovem útero
[ocupado.
E agora, inércia, lamento ou contentamento?

Noturno

Concedo nomes às noites em claro. Uma após a outra, inconsequentes quanto ao dia que aguarda-me. Nas mais famosas, sofro pelos crimes doentios não meus, e por isso denominei a mais recente de "O preço da traição". Possui grau de entorpecimento e perda de juízo característicos da raiva; carrego a cólera de quem a gerou e a própria falta de sanidade cegou. É ausência, inconformidade, coração perplexo perante a vida sem cor optada pelo amado: um cardápio variado porém preto e branco.
Amanhece e rogo que a inconstância e os erros não testemunhem o fim do amor nessa vida. Que nos desejemos e não nos necessitemos! Olho-me no espelho e a cada hora a expressão torna-se mais velha: crepúsculo interminável. Ainda que em pedaços, estando aqui posso almejar os próximos dias, e na sequência de insônia definhar - sabendo da via sacra em andamento.
Passemos as divagações, noite de vagar pelo tormento na "Escuna da falta de prazer." Sensação de abandono e desprezo permanente... E então surge o rosto rubro do ser querido protegido sob meus carinhos: fico sedenta! Mas o que segue não é esperança - são bombardeios de agressões da criatura sanguinária. No vicio consistente, a memória é inexistente. Jogo então minhas melhores iscas e absolutamente nenhum peixe as fisga, eletricidade neural alguma as morde. Chamo de "Atravessar com labaredas o cérebro na escuridão." E em um conceito mais amplo, nela posso passar meses, em processo de sucção.
Mas então chega a noite de fechar - com amor - mais um rodopio pelo círculo vicioso da angústia. Toda a psicose nunca foi em vão e nem menos desesperadora - dela tiro os restos de força, que incrivelmente sempre estão lá, para dar continuidade ao plano maior. Senti mais do que amor ao encontrar aquela figura conturbada, vi e vejo algo claro somente aos meus olhos - o maravilhoso banido para o interior de sua essência, transportado como água no sorriso meigo para mim.
Escrevo pequenos desabafos simplificados, que transparecem exatamente o caos vivenciado, a falta de perfeccionismo não-característica, que arrastei pelos últimos meses. De inércia literal.
E por hoje, "velo o sono do menino embriagado" - costurei minha pele à sua, deixei-o cometer dores físicas para unirmos nossos fluídos, misturá-los - e talvez esse tempo longe dos papéis e canetas de praxe seja a readaptação a escrita, pois é a mão direita que carrega o fio da navalha. Cito o mestre Goethe, em Fausto: "O sangue é um fluido muito especial"
Não deixarei os dias, as sequências de dor, serem a ampulheta da despedida! Agora, conclua em síntese, qual a definição para a última noite.