terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Fluido do lobo parte II

Desesperadamente, Lia desejando teu toque vigiou-o com o canto do olho - de soslaio, já deixando ruir seu íntimo em tua figura que vestia vermelho.
Cutucara suas costelas e minha cintura apertou-se, como se teus dedos fossem as barbatanas de um corset de puro aço.
Construída de fios de cobre capilares, transpassara a corrente elétrica fulminante que emites - ENGUIA! Deixando-a mais alva que papel e mais fina que a lua.
Tremera como filhote de lebre com frio, tentando atravessar o ártico férreo que é teu coração.
No zinco da linha, ficara pendurada pelo colarinho da camisa rosada: és o destino e ruidosa presença arrastada - oscilações e impotências sádicas!
Burlara então o fixador poderoso que possui tua pele febril, evitando lascar feixes de alumínio de tudo o que é vivo e belo ao seu redor - pois dela jorra o único perfume capaz de dar-lhe prazer, vetando assim qualquer estímulo que gostaria de ser cotado.
Envenenara com chumbo seu sangue de lebre.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Marchinha de carnaval

Feriados ardentes aclamados,
onde disfarço tua ausência -
em  presságios convulsionários.
Volúpia venosa,
perseguindo a morte prematura -
desertando do combustível vigoroso.
Palitos pontiagudos de saudades tuas,
à medida que meu peito infla - 
e deixa os seios perdidos em saliência.
Inchados, 
no físico esguio são distinção -
de mulher confusa em sua sapiência.
Doce, no tapete de timbres orgânicos 
valvulados -
permanente bandida noutro. 
Comparável ao delírio,
sou jogada ao cósmos e presa pelo pé ao vácuo -
submergida com tijolos nos tornozelos.
Fragmento de poeira,
granulado minúsculo -
sendo fugitiva boêmia.


terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Visita noturna

Vestindo uma camisola chapada e lilás, Lia anda sorrateira até o aposento enevoado chamado de Arquivo, o gato a segue - logo estirando-se em pose altamente sensual no meio do corredor. Em cada página que ela folheia do histórico de Álex, o ambiente é tomado por um odor indescritível e diferente - tamanha podridão que contém aquelas linhas, datadas minuciosamente.
A fumaça do incenso que traz como tocha, acaricia seu rosto com textura de pêssego branco, que, coberto de vaselina, flui desobstruindo os dutos das percepções diversas. Arrasta monólogos dramáticos que possui como manual e os encena para grandezas da natureza - como o vento noturno. Ele é sempre a melhor companhia: altamente capaz de incitar a reflexão, é a lâmina de poder natural para a reforma interna humana.
Logo tudo cai e soterra-a: avalanche de concreto branco, argamassa entrando através das tentativas de captar ar, empalhando os órgãos que imploram por água sem serem ouvidos.
O caminhão-pipa tarda a chegar. "Foi difícil encontrar o caminho" diz o motorista para ela. Irresponsável, seguira sem ao menos olhar as placas de sinalização. Precisa urgentemente de freios, algemas, cordas ou afins. Detenham-na ao pé da mesa quando for dormir!
Sempre confusa e perdida, é um prato transbordando de alimento para o acaso ser cruel. A pessoa sensata e atraente que existe dentro dela, se contorce tentando emergir de todo o lodo escuro que nas entranhas tem vida. Tão jovem, fardos tão densos!
Quando deita na cama, sua extrassensorialidade fica tinindo, e o que quer que toque com as mãos transforma-se em fruta batida com sorvete de creme e licor de cassis. Fusão milimétrica de amor e doçura malandra.
Pela manhã, acorda com a dúvida:" em que espécie de lugarejo terei passado as últimas horas? "

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Navio suicida

Narro a escuridão que busco incessantemente.
Abordo deste instinto suicida, deste navio parasita, contornando portos distintos sem ancorar - apenas exercendo sua sombra espessa na paisagem bela do mar.
Sem capitão, o navio está à mercê da força da natureza: navega seguindo as ondas e suas vontades suscetivas de morrer na praia. E, se numa dessas ficar raso demais para uma embarcação tão grande e pesada? O fim da jornada será encalhada!
Há uma pobre alma trancafiada no depósito de rum. Condenada ao exílio total - conservada pelo álcool presente. Sem opção de apodrecer, implora pelo alojamento da tripulação, onde poderia escolher um beliche minúsculo para definhar na horizontal. Quando menina davam-me florais conservados na mesma bebida: a história repete-se em seguida.
O universo usa-me para recreação, como criança com um barquinho de papel na pia do banheiro, encantada fantasiando o oceano e a rotina dentro de uma escuna. Ah! Seria tão bom uma escuna pesqueira, lotada de afazeres árduos, sem tempo para sair da direção! Somente perseguir os cardumes coloridos, guiados pelos peixes inofensivos, rodeados de simbolismos...

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Renascer

                                  Depois de muito andar, Álex chegara à pequena chácara onde passara a infância. Pulara o muro descendo pela figueira centenária - a mesma do pátio dos fundos em que pendurava balanços nos galhos. Viera em busca de paz para seu espírito, guiado por uma batuta de maestro flamejante - que sempre estivera um passo a frente de seu olhar. Ela regera o caminho até a paisagem de seus anos cruciais perdidos: chegara e o berço estava quase irreconhecível. O rio que banha a propriedade subira de maneira absurda, invadindo já a casa...
                                   Com o mesmo objeto com que construíra sua jornada pela música - vocação com que nascera há vinte e quatro anos atrás  e afiara  a criatividade artística - abrira caminho para dentro de seu corpo físico: remexera os bolsos da calça, pegara o canivete e moldara o instrumento até torná-lo como flecha. Abrira uma uma fenda em sua veia. Um corte horrível na dobra do braço. Logo quando tentara relaxar deitado de lado, ele comprimira-se, adormecera.  Perdera a conta de quantas vezes esticara o membro já nos primeiros minutos de pós-corte, arrebentando os pontos. Todas as posições cansaram tanto que forão vítimas fáceis do esquecimento. Desconforto!
                                 A  sutura caseira desfizera-se em questão de  uma hora. Encolhera-se como filhote no útero da mãe, o sofá rústico o abrigando como feto, coberto por uma capa branca - a placenta. Deixara somente o braço esquerdo, que dilacerava de dor, estendido para a frente em posição de quem aguarda uma transfusão de sangue ou hemodiálise.
                                Se haviam justiceiros em plantão noturno dispostos a fazer sua purificação, ele não soubera dizer, somente repetira fielmente: "Não confio nem mesmo em meu pai", com a malemolência na voz de quem desacredita no próprio renascimento - mesmo sendo sua glória tão desejada. Tomado por obscuridades, escolhera esse extremo de limpeza e, caso contrário,  será o final da linha.
                               No sofá aguardara sua mãe vir conceder-lhe o carinho necessitado. Dias passaram, o corte aberto vertendo secreções de odor forte. Ela não viera nem mesmo para pari-lo - quanto mais para curar seus traumas e trocar-lhe o sangue. O único humano que aparecera fora o filho do antigo caseiro, que tirando-o do ventre fantasioso, mergulhara a cabeça de Álex na água que invade a casa, até quase provocar a perda total dos sentidos. Sem pena de adulto, seu primeiro nascimento acontecera novamente! 
                               Gritara pela sala inconformado da desgraça destinada, assistindo a água apossar-se de cada canto do terreno, sugando e subindo até tudo que ainda existia desaparecer. Ele sucumbira enfim as recordações, encontrando o fim junto delas. Era tarde demais para renascer melhor.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Intuição

                      Sintonias divergem o tempo inteiro e, cabe a nós a sabedoria imediata de dar ouvidos aos pressentimentos. Fortes, vagos, de relâmpago - todos são importantes. Vou a diferentes lugares e esforço-me para isso, sentindo que as frustrações poderão ser desesperadoras e como lebre assustada sairei correndo.
                      Encontro pessoas que deixam-me com asco. Olhos obcecados, lagartos vidrados! Tirem suas mãos grudentas da minha pele! Deixem-me livre da extração de energia que sofro em todos os momentos. Não quero ser o centro de desejo. Estou em um estado de ausência quase absoluta de meu Ego -  normalmente enamorado de holofotes -  que me faz querer transformar todas as luzes de palco em espécies diferentes de flores. Na natureza não importa quantas cores há: elas nunca chocam-se, somente harmonizam-se. Impossível o trovão!
                      Esqueço do combustível biológico e mais primitivo para a carne continuar quente: não sinto fome. O instante presente é tão incrível, lúdico acima de tudo: viro criança descobrindo um novo mundo.
                      Dobro minha alma, cubro-me de penas - coladas com caramelo - e salto da clausura para a rua. Atirando-me no travesseiro de ventos. Chego em casa, meu espírito agradece o alívio da tensão.
                      Por favor, intuição, grite como nunca! Do pé do meu ouvido às menores células. Creio que nunca mais a captarei com a frequência enorme de hoje, em que exasperava: ande para trás! Ali na frente será ruim...
Gostaria de descrever o que me vem a cabeça quando penso em ti. Como cangurus, as idéias pulam de um campo ao outro, numa velocidade de gato. Traiçoeiras de tão ágeis!