terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Parasitas

Até mesmo o gato Syd desmaiara em sono. Não suportara a noite desconfortável que atravessamos.
Erupções avermelhadas propagam-se por meu corpo, correm pela superfície da pele formas de vida desconhecidas - invisíveis. Como incomodam! Rolam, como coçam! Se visíveis, pareceriam piolhos, quem sabe?
Minhas duas metades evidentes disputam a hegemonia, e é preciso uma figura de Rei - como na história - para separá-las e conceder-lhes a graça de uma vida livre de tormentos para ambas as partes. O fio da espada é necessário... A briga precisa de um término ao contrário do que é e foi no tempo em que perdurou: lenta e dolorosa. A madrugada têm dúzias de tronos difundidos escuridão à dentro, mas as figurinhas ensandecidas que rolam de uma mão à outra não permitem-me sair para caçar. Que solução há?
Penso em enfurecer-me, rodeada de água e sabão, na banheira do cômodo ao lado do quartinho. A água jorra de si mesma cólera, ao natural, e purificará momentaneamente minha brancura escabrosa. Será?

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Exílio parte 26


A distância de cinco lajotas já fora um caminho perdido, posso atestar, mas as horas já não abrem abismos!
Agora em sofás macios distantes, junto os dedos da mão direita e vejo-o no céu: atiro-lhe um beijo que anda nas vibrações do som até ele. Jamais perde-se ou dissolve-se!
Deitado no meu divã, somente à mim não és do deus da confusão. Todas as manhãs, se apaixonará novamente pela silhueta feito violoncelo... As unhas brancas de noiva que arranham tuas costas.
Cena do apse dos meus delírios! Aconchego-me no piano - onde por tantas vezes vi-me refletida- e vejo o doce trancafiado no quarto.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Que nosso amor permaneça o mesmo vinho ardido,
jamais tornando-se vinagre ácido -
corrosivo.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Percepção

Por mais que as suposições assolem-me, passei a confiar nas projeções que vejo em certos olhares - que descrevem o que há no espaço entre os corpos. Fenômeno exclusivo dos olhos escuros, que tão pretos como jabuticabas, sinto seu preenchimento com segurança!
Quanto mais negros mais cristalinos: a claridade excessiva está fadada ao dissimulado, ao teatro de emoções. Não crer em teu amor é fruto das tentativas exaustivas e ineficazes de lidar com traumas - a figura de olhos azuis está no revés! Se o sentes, portanto, demonstra-o à tua maneira- saberei reconhecer. Grite-o, se "teu peito, é o melhor lugar do multiverso."
Ah, amor insano... Somos feitos de açúcar e loucura, de aspectos desoladores trancafiados na doçura. A brisa de mais um dezembro causa-me arrepios- calejados- de novo abandono!

domingo, 27 de novembro de 2011

Exílio parte 25


Viro o rosto para o lado direito, porque notas ressoaram para mim. Compassos, compassos, dissonâncias perdidas no tempo. Estou à mercê da inquietude; percebo que ficara as longas horas da noite materializada na lâmina de madeira que suporta os pedais. Guardada por inteiro, sou do comprimento do tapete de teclas... Ao descer o olhar sobre o severo instrumento, a música não pode ser encarada como fonte plena de alegria - a emoção causa-me tremores e lágrimas, emudeço com sentimentos desconexos.
Danço em um palco escorregadio... Temerário, estreito, deveras sedento!

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Reflexo literal

Há momentos em que preferimos não ver a situação em que nos encontramos. Em períodos indescritívelmente penosos o coração fica dobrado, a mente torna-se a residência da anomia, do caos. O destino então segue seu curso, nos obrigando a refletir de qualquer maneira, usando de suas artimanhas.
Pela manhã, passara por mim na rua um vendedor de objetos usados, empurrando seu carrinho cheio de tralhas... E a maior delas: um imponente espelho. Refletira-me por cerca de dois segundos - o suficiente para abrir-me ao desespero de residir nessa triste figura! Não se pode abandonar o próprio reflexo por tanto tempo...

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Cama ocupada

Desgosto das relações humanas
fadadas ao gozo mundano.
Cultivadas na cama revestida de veludo
- opaco, tal como o clarão amarelo do abajur onde desfaço-me.
Solitária submeto-me a reflexões...
Minha arrogância é a frágil casca das fraquezas e, ao deitar-me nela,
torturas lá cometidas assolam o descanso
- penetram no físico, sonâmbulo.
Impossível o sono no leito desgastado!

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Exílio parte 24 (Nó)

Na calada anestésica da noite, ando pelo quarto torcendo as mãos, inquieta. Já não sei se acomodo-me, luto - tenho forças para tal? Sinto-me em constante sonho acordada, sendo obrigada a interagir com o real. Gostaria e sinto, que a cólera que pousa sobre mim é do tipo que desconcerta até mesmo ilusórias suposições de outra forma de perdurar pela existência.
Retiro o vermelho manchado das mãos, logo paro e vejo a pele que, corroída em volta, não possui mais solução. Superfície que fora doce! As mãos são a irrefutável prova física do sofrimento que atravessa o tempo. Que não amanheça! A febre não terá fim.
Não funciono bem. O pouco torna-se intenso e o muito soa-me fraco. Não concluo nada: sou morte incansável. Não penso em culpados para, disfarçada, consolar-me - não projeto em terceiros e segundos o que é criação MINHA.
Oscilações loucas, vertigens! Minha percepção da volta é ditada por leões ferozes e é incrivelmente difícil aparecer (apodrecer) em público com o coração dilacerado! Há muito não escrevo um "algo" propriamente dito, mais do que nunca tornei-me, em suma, o "emaranhado de pensamentos". Taquicardias, alucinações de sensações... Deus, liberte-me de vez!

sábado, 29 de outubro de 2011

Exílio parte 23

Toma os limites da própria percepção como fronteiras para a realidade de todos à sua volta. Mas o geral não importa-me...

Não o culpo por reparar no mundo e na maneira como desenvolvem-se as relações humanas, de maneira racional – ainda que um tanto mais espiritualizada e menos mundana. O todo segue à risca o modo obvio de encarar os fatos e quando surgem os sentimentos perdem-se em incredulidades, que nem mesmo são impostas por si mesmas. Não limito o entendimento das minhas emoções. Não relaxo, as energias passeiam em meu torno. Fervilham e disputam também o espaço físico – deixando-me trêmula, em estado de frenesi permanente.

É tão errôneo estabelecer paralelos entre o que vês e o que sinto! Falta gravíssima. As concepções de cada um são baseadas em seu eu, não podendo assim estender-se para o próximo de surpresa, como quando jogas palavras em minha direção: pouco perceptivas e minimamente interligadas como o que conheces de mim. Entretanto, como disse, não o condeno, pelo simples fato de que sou uma criatura inacreditável para todos os que resolvem observar-me, e mais: tentar conhecer-me.

Gostaria de triplicar as manhãs em que desperto límpida, sem importar-me com o dia acinzentado! Torno-me mais humana quando alegro-me com o existir por um espaço de tempo maior do que três segundos. Engana-se se pensares que busco dias assim seguidos... Eles servem como renovadores de tecido morto, e se me conheces bem, sabes a diferença mínima que a pele putrefada que cobre meu corpo faz. Porém é até importante por ser o reflexo explícito do interno...

Não escrevo hoje para acalentar-me, dar sossego ao coração. Escrevo essas linhas, pois descansei uma noite inteira sem interrupções e, portanto o cérebro recuperou-se de alguns danos de dias de insônia e anestésicos. Deixei o colchão levemente e arrancando a pele fina e morta que cobre meus lábios – com os dentes. Mas um tanto de angústia incomoda-me... De praxe. Não garanto que a suavidade estenda-se por muito mais tempo e agora partirei, para um compromisso onde se por ventura a dor agarrar-me, poderei adormecê-la com esforço físico exacerbado: ensaio de ballet.

sábado, 22 de outubro de 2011

Lisergia

Era anunciado o momento de partida. Disse-me: "Amor, prepare-se para ouvir o silêncio como nunca antes..." e iniciou-se a despedida, adornada com expressividade alegre. Tua tonalidade de voz era de riso explícito: aquele riso insano e apaixonado que lanças somente aos meus olhos.
Aproveitei a insônia que cerca-me para direcioná-la, deixá-la fazer-se presente longe dos cobertores que deveriam inspirar descanso. Perguntei-te sobre os concertos anteriores, traçando perspectivas sobre o que a apresentação daquela noite significaria - ainda que teu requerimento da minha presença fosse exasperado, e, portanto importante por si só. "Os outros não podem ser considerados shows... Estávamos alucinados e as canções eram uma grande 'jam'."Respondeste-me. "Foram ensaios esquizofrênicos com espectadores." Finalizei.
E lá estávamos, as realidades em lenta fusão; lá eu estava orgulhosamente esposa.
"Amanhã, depois e depois, quando de ressaca eu estiver, vou querer te abraçar e ver que estás aqui. A única coisa que importa é que és o amor da minha vida, agora e depois." e ao término das palavras beijastes minha mão, navegando por minha pele. Não balbuciastes "nunca te deixarei", como de praxe... Será que pensastes, em meio todas as cores vivas, que não sabemos o que nos espera a cada nascer do sol? Creio que a esse amor regido pelos céus não cabe tal característica. Tive medo, a experiência potencializa a sensação de estranhamento, preciso de tuas palavras... Logo surpreendeu-me:
"No próximo gritarei no microfone que te amo e és a mulher da minha vida! És tão bonitinha para tudo isso...Arrume a caixa de som no teu colo, isso, mais confortável... Faça sexo com ela." apertando-me e sorrindo. Disse-lhe, por fim, que o formato quadrado da caixa não atraía-me, logo tendo o diálogo lisérgico cortado pela sinaleira que abria - e percebendo o lugar perigoso em que nos encontrávamos distraídos. A sorte também pode estar ao lado do amor, não é?
Agora preciso esticar meu corpo feito argila pelo colchão e dormir. Não há escuro que vede a pele fina das minhas pálpebras!

Escrita

Escrevo muitas coisas a lápis. Chamo-as de "anotações vulgares": fraseados não dignos da característica "escrita" e, portanto redigidos com um instrumento facilmente apagado. Elas são o lixo dos meus pensamentos - se algum dia serão aproveitadas, aglomeradas a outros parágrafos recebendo em fim o nome de "texto", não sei... Mas só então receberão a honra e mérito da tinta da caneta!
Tão imensamente prazeroso guardar o que seria perdido no tempo real, nas palavras! Assim que saídas da alma deixam de ser datadas para tornarem-se imortais. Sempre seguras no beco escuro do esquecimento, iguais na minha caligrafia bem ou mal feita - dependendo, variando conforme as emoções atravessam o corpo físico. Como em um eletrocardiograma.

domingo, 16 de outubro de 2011

Exílio parte 22

Condenada a arder no exílio. A vida nunca fora compreensiva - a corda permanece esticada até o limite do caos e é claro que se desfaz sem demora.
Arrebenta, despenco ao chão e a insulto incessantemente: se tua eterna vontade é ver-me debruçada- onde possa estar à mercê de pés nervosos que fervilham, caminhando, pisoteando-me - por que adiar tanto o momento em que estarei presa, em definitivo, às lajes de terra? Concreto?
Ao longo da espera desenvolvi métodos para subsistir, como trancafiar em cada momento o que é apropriado à ele. O tempo da minha vida não é uma continuação de dias- é apenas feita retalhos. Não é permitido o gracejo da plenitude e felicidade, não durmo, não repouso. Somente ajoelho e ando pelas pedras. A fantasia há muito tomou o lugar da realidade, apossando-se e rolando na grama seca. Bem deveria saber que uma noite de suspiros verdadeiros o destino não conceder-me-ia na santa paz...
Tudo o que queria engolir é sofrimento, instantes na mais absoluta pureza e sorriso fácil. A noite é companheira - nela deixo marcações em cada espaço que repouso o olhar. Mas ao menor contato da pele com o metal das chaves de casa a rachadura entre meus pés é estirada; a superfície do cérebro craquela-se ainda mais. Antes de abrir a porta, sempre peço em silêncio a sorte de só encontrar meu gatinho esperando-me, peito branquinho desesperando carinho, dear Syd!
Prolongar a expansão contínua
regada à exaustão não sentida.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Psicose

Entre a pálpebra e a sobrancelha há um fosso profundo, cavidade perdida onde - em dias como hoje - por mais que o vento empurre a chuva contra a persiana, nada pode penetrar na janela da alma. Não possuo capacidade de administrar um corpo. Uma existência minha que acaba-se tão lentamente - consome-se em sua própria energia. A visão é brancassenta e irreal: os olhos doem e querem estar ao contrário, ir andar para o espaço escorregando como ácido corrosivo atravessando o corpo. Branco! Tudo branco como teu peito desanimado, inchado esverdeado. Não estou em pânico: as lágrimas não caem. A única chama que me consome é da caravana que passa chamando-me... Agonizo. Agonizo. Agonizo. A realidade é quem rompe comigo, chuva de espinhos.
Se encostares em mim, me sentirás como um balão cheio com farinha, com olhos de botão e cabelos de barbante, como os vendidos às crianças no picadeiro. Adormeça cérebro!
Desde que me deixastes, os dias passam sem meu consentimento. Não sei dizer quantas vezes já escrevi essa mesma frase. Agora a sanidade foi-se, a sucessão de dias não tem rumo. Esqueci que existem leis básicas de subsistência - não posso escalar as paredes do subterrâneo. A única visão que tenho é de minha órbita em colapso.