terça-feira, 27 de maio de 2014

Afaste-se, amanhecer de novos olhos translúcidos. 
Bem sei que infringi os limites do aquário e rebentei de paixão, em fúria enamorada dos pássaros que na névoa laranja surgiam.
Naquela manhã quando tudo arde e congela, o corpo quer sentir êxtase e dor- em impiedoso sonho secreto. A espinha fica torta e o pulmão debate-se como peixe vivo entre as costelas.
A profundidade apossa-se dos nossos olhos, vendo todos por trás do voal onde a exclusão nos atinge, sobre tudo o que nasce e é sentido. Tão amado!
O roubo é eminente, somos desintegrantes. Todos cruzam-se por trás da cortina, não confundem-se e muito menos fundem-se - apenas divergem.
Então visto e gozo do nosso alinhavado ser 
escondendo o sol nas dobras da minha veste.

(A conexão é um fio de seda brilhante, tão suave e palpável quanto o ar maciço da manhã. Esticado com esmero e rosado, o tear tece emburrado no sótão dos dias. ) 

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Tu corres em todos os sonhos
na dimensão das sombras, sempre em seguida.
Garra da mordomia passada,
o absurdo da saudade disseminando mentiras:
A vontade da presença cristalizada
em canhões de luz acesos por qualquer lamparina.

Torço o pescoço,
forçando a saída da febre que lateja as têmporas
esperando o tempo passar
enrubescendo as bochechas.
E como é sorrateiro!
A roupa larga comprime o peito,
emudece os sentidos
pisca a faísca no ouvido:
a ansiedade é a mãe de todas as cóleras.

A excitação é também a dor da fome
e ainda assim sonhar desenfreada,
agouros bem afinados da tua presença.
Danço rende à ti
Queimo até passar do céu
Desperto no leito grunhindo
Sem uma camada da pele -
entre uma existência enfraquecida,
pelo amor alheio descamo.

Amarrada a uma ferradura
garanto-lhes tua falta  em meu encalço
Aqui voltarei em breve,
pregada nas solas dos pés com cascos.
De todo o amor do mundo,
para nós fora destinada a desconstrução -
intermitente, das texturas suaves
e momentos sacolejantes que formam os dias saudosos.
Contados em ampulhetas de areia
são dissolvidas no claro dos olhos:
querendo gotejar libertários da emoção,
granulos que secam e coçam.

Copos cheios são derramados em meus cabelos
sendo apenas uma a verdade absoluta
carregada junto ao corpo,
em um livro que mal cabe no bolso.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

O 23 de Abril de Lia

(Entre traumatizados, feridos e agonia)

Como milagre, chegara em casa coçando as picaduras. Passara o dia sentada em alfinetes. Bonecos de artistas são todos feitos a mão e fizera-os todos adentrando os momentos.
Era noite, 22h no relógio de rua. Apenas os últimos desgraçados troteavam pelas calçadas em infinito assédio, empalidecendo-a. Andara ríspida quase sem dobrar os joelhos, cansando os tornozelos tensionados.
Em definitivo, o grotesco estava instalado.
Trabalhara guerreando contra a carga extensa, por intermináveis horas sem intervalo ou algum tipo de comida. Os homens em torno sequer compareceram. Com indelicado esforço sucumbira qualquer forma de empatia e teve de continuar com o espírito pregado aguardando o entardecer.
De coração espremido, precisara de um ônibus, no qual fora enlatada. Apelara para as novas pílulas de cafeína sabendo dos riscos de reprovação. No trajeto, maldissera todos em estado choroso de movimentos comprimidos, segurando a explosão.
Sedara-se e o ritmo passou a ser descompassado, não sabia-se por onde deslizava a dança. O suor e as veias obstruídas lutavam contra a música: foueté, foueté, foueté!
A maçaneta quebrada não permitira a saída, como o moribundo em que seu segundo ônibus batera -  motoqueiro estirado na avenida quase deserta em que finalmente descera.
Enfim engasgara sozinha, penetrando o corredor de casa em cortesia.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Espera

Do perigo das agulhas e lâminas foi feita a reparação.

Tu te costuras no próprio viés.
Faz tudo sob o céu encaixotado, onde na mudança os antigos talheres desgovernaram-se e ultrapassaram a cozinha desmembrada. És do tipo solene e talvez digno das especiarias que o tempo te deu.

Com um tantinho de veludo cavei abraços.
De coração resoluto buscando amor até o fim, empenhada tal como os invisíveis só supondo - enquanto de costas sigo o ronco do teu respirar.
Dão-se as mãos magricelas, forjadas na porcelana simples e minha fé cai aos pés trêmulos - premeditando um abismo do tamanho da constelação deformada acima do coração.

Vejo teu peito de ossinhos nus pela fresta da camisa, que penduram e desabotoam meu ser,
na roupa em que não há cheiro de dureza ou doença.
Leve e espiritual agora morando na abertura do côncavo dos seios
Onde algumas gotas do óleo inesgotável do ser amado despencam.
Corro, escondendo as mangas!
Pois do meu azeite são feitos os fios grudentos,
intervindo brevemente, mais lento do que a própria opacidade em felicidades mancas:
Parábolas são sorrisos em inversão, de esperas e esperas, arqueadas na solidão.

Ode ao sono e a vigília

Queria me afundar entre as penas e plumas do sono. Onde antes havia montanhas, rostos, beleza, há um biombo.
Com meu casaco cor de gazela, mãos num movimento incansável porém tranquilo,
desejo ser guardiã dos direitos dos adormecidos.

segunda-feira, 24 de março de 2014

Aguardara, decifrando olhares efusivos, até retirar os sapatos e as ataduras permanecerem.
Ofegara, a cada susto miserável de esperança má, sabendo que minhas costas são tomadas por uma timidez volumosa, esgueirando-se.
De todas as direções possíveis ao corpo, a de queixo erguido e olhar - quase panorâmico - apontado para o teto, é onde lembrara como é sentir o peso humano e a densidade de um respiro rente à mim.
Estivera no purgatório da estação de trem mais próxima. Reconhecera-o pois jorra no esgoto resíduos azulados pelos bairros à fora. Fora inserida como o elemento singelamente clandestino no incêndio alheio - que pingava doenças das aberturas que o corpo puramente possui.
Passara por cerca de três horas de discussão.
As crianças também souberam, pela boca das mães, a realidade que as mesmas esbravejaram.
Vociferara então à harmonia dos maridos e a implosão dos gritos - a explosão dilacera por dentro e das cinzas é preciso fazer amor!
As flores isoladas nos canteiros da sacada levantaram-se e disseram ao ranger das escadas: vermelho.
Na sala de azulejos pestanejantes, houvera um o dócil e galgo sertanejo para quem não há como negar carinho. Estivera próximo a linha vermelha do salão de cima, tentando flutuar com a barba remelenta, chamando-me. Estímulos burlam ambientes e, ouvira do escritório os pisoteamentos, já com o mesmo muco verde na íris sanguinolenta.
Em certos momentos, os beiços em parábola para baixo constroem a dúvida - como quando um beijo demora a acontecer.
Ele encerrara o espetáculo: a pálpebra rosada debruçada sobre o olho direito e as luzes despencaram como confetes, para doerem feito açoite.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Episódios de rumo a toca e consciência

I
Entro na porta do prédio - com travadas bruscas cerebrais, em pé por afetação - e sou atacada por um inseto enorme, barulhento e oprimido pela falta de espaço do saguão. Sem escolha alguma, minhas mãos doeram de vontade de devorá-lo.
Digo, que o veneno de sua possível picada, é a tortura que causa todo aquele ruído do bater de asinhas - ou por onde quer que saia o som de seu diminuto corpo.
Livro-me dele, monstro singelo, ainda sem certeza. Enroscou-se dentro da minha calça?
Revelo agora, o que o incômodo inseto disse: "A noite está sendo boa e todos vocês vivem."
Respondi "Vivem e desabrocham como insetos carnívoros, na idade de flor da vida. Miseráveis, corcundas e com a cabeça pesada em demasia."

II

As voltas são corridas solitárias e desconfiadas, priorizando - em crise - o medo apenas. Entro em casa como que crente em algum santo milagreiro.
Chego a toca, na ala exílio - onde corpos desejam dormir entrelaçados - e sedenta não posso! Escorrego sob a ótica da moléstia, da cadeira para o assoalho - tão acolhedor e imprescindível quando a cama. Aceito o cansaço e por ali faleço, cônica e flácida nutrindo-me de todo o químico para a putrefação.
Sonho de seio e mar, o tempo me dói de vontade de devorar a distância mediterrânea que nos separa! Penso, reclamo ao cosmos e esbravejo uma ausência prematura, em malemolência clemente pelas noites à fora.
Te aguardo e dispersa sobrevivo. 
As estrelas que um dia, no telhado, rogaram-nos paixão são as mesmas que agora debilitam-me na tua falta: abro a janela e galanteio os astros, com o melhor senso de humor terrestre. 
Certeiro, tua voz grave ecoa em meu aposento.