sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Exílio parte 39

Escorra, coração desvairado! Troque de lugar para mim contornar o que sentes, sucumbir-te, agora - de súbito! Imploro uma clemência, quiçá piedade, limpando-te com o mais alvo algodão...

Na presença de quaisquer seres ao meu redor, estou em confusão pois sou condenável. Não quero alguém novo, eu sou o ser de olhos estranhos. E quando chega as cinco da manhã - horário temido de  silêncio intrépido,  sem a opção de ser quebrado - o veredicto é bebericado em terrorismo: esgotada e calada sou toda ouvidos.


Rumo pelas ruas, cedo noite após noite ao desespero. Deveria estar descansando envolta nos meus lençóis limpos, de dentes soltos e sonhos livres. Bebendo de meu leite caseiro, mordendo o pedaço de pão  sólido sobre a mesa da cozinha. Sem o doce prazer - enigmático - da euforia.


Se for para abandonar projetos que lembrem-me o antigo amor, terei de migrar para outra galáxia! Fico aqui por saudade. Caindo na desgraça do teu peito ser meu aconchego.

Não suguem-me, estranhos, com suas existências calamitosas. Negativismo? Não. É o tapa necessário, inevitável, ardilosamente surgindo. Astuto, corroendo a naturalidade.

Por favor, Gabriela, permaneça na luz sem firulas. A claridade é lógica, objetiva, confundida com audácia.


Pássaros do raiar do dia, não! Trompetes anunciando mais uma manhã. Trombetas não seriam, pois não são anjos de festim - são músicos de jazz, negros e presunçosos, despertando os inquietos. Afinal, por que não?


Tentando encontrar-me, deslizo de vez em uma das calçadas paralelas ao caminho dourado. Escorrego, no maior primitivismo, na ladeira de lama molhada - grudando nas flores secas e assim formando um novelo marrom escuro.


Onde pararei de girar? Os trompetes na janela realmente incomodam. Inacreditavelmente!



terça-feira, 27 de novembro de 2012

Chá

O interior macio de uma Tulipa é meu dormitório, de paredes que emitem frequências vibracionais altíssimas. Repouso no silêncio de seu fundo abobadado, sendo o esplendor do céu noturno minha cúpula - como um observatório lunático.
Porém, é dentro da rosa que passo longas horas acariciando sua textura acetinada... Danço enroscando os pés descalços no veludo das pétalas. 
Ao deixá-la, cada mínimo poro de minha 
pele fora contaminado com seu sabor de flor silvestre.
Aroma tentador de rosa que permanece ao fervê-la na chaleira com água. Sirvo em xícaras de gesso o Chá da Roseira - perfeita alquimia para a amnésia do coração. Elixir que dança, perseguindo a circunferência do recipiente, apurado e atencioso para curar minha cólera.

"A polegarzinha"



quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Sensação

A bailarina movimenta-se como um felino para onde quer que vá: na superfície desmatada ou na madeira macia do palco, é de uma delicadeza escassa.
Enquanto no teatro a guerreira, em elevada escala, protege a natureza - provedora de todo o universo - e seus seres encantados, o criminoso de seu coração reduz ainda mais sua miséria,  trancafiado nas quatro paredes de seu quartinho. Lânguida, a lembrança dele veio como uma surra em um único momento, na mais violenta pulsação do corpo de Lia. Pois... remetes sempre à agonia, ao medo do colapso!

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Exílio parte 38

Minha tragédia cotidiana é sentir meu peito estreito, esmagado pelas mãos do falecido amante. Esfarelo-me um bocado pela manhã, após uma noite pensando com as pupilas grossas, as pálpebras quase cerradas. 
O tempo da nossa vida custa a ruir: há algo dentro de mim que permite que me sugues. Que diverte-se com a prisão. Que goza a cada aflição. A mente engana o coração, o coração engana a mente, e o ego entre os dois opostos é um abismo fantasmagórico - feito de alegorias e  confeitos de fisionomia doce.
Nenhuma alteração de consciência me agrada, por ansiar demais uma plenitude. Tropeço no meu inconformismo! Aperto o caderno com força, sem perceber. Silencio-me pela confusão que toma meu ser...
Saber notícias é um suicídio lento ao qual sou vulnerável. Será assim para ti também?

domingo, 11 de novembro de 2012

Fluido do Lobo parte I

O sangue do predador
é aclamado
constantemente derramado
com frieza usado
e por costume vil jorrado
- por não possuir valor.
Não é sagrado!
Fluido enferrujado
Assinando contratos
Comprando corpos 
- putrefados
Condenando almas
- impactadas.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Banho demorado

Na mesma cama de outrora, os pais dela estavam novamente deitados, juntos e debruçados - em anomia do lado adolescente que vê o compromisso como uma imposição contra a liberdade. Tudo isso passou pela cabeça de Lia em segundos diante da cena. De seu quarto, virava o rosto deitada na cama de cima do beliche marfim. E em uma linha espantosamente reta de visão, abraçara a fotografia.
Com entusiasmo, deslizara as mãos pelo garoto que, em cima de seu corpo, sufocava-a de carinhos. Arranhara suas costelas alvas. O constrangimento das portas abertas fora inevitável - sua infância havia se chocado. Resolvera de súbito ir tomar um banho, escolhera a lingerie acetinada e nem mesmo olhara para trás - rapidamente fora entorpecida pelo vapor da água quente.
Fora como cair em anestesia profunda.
Deparou-se com outros frascos de shampoo, toalhas grossas, úmidas e cercada pro azulejos cor de creme. Percebera estar na casa de seu amado - seu eterno teatro. O manto de euforia com que estava envolvida fora arrancado. Vira-se no box encardido de teto de madeira - sufocante. 
Sentira ter trocado de corpo com o amado, e resolvera lavar o cabelo dourado com todos os produtos da cunhada que haviam no banheiro- e eram muitos! Tudo uma grande farsa de sua imaginação para ausentar-se da sala de estar por mais algum tempo - usando de um desejo antigo de esfregar e tornar sedosas aquelas madeixas oleosas e maltratadas.
Escutara passos no corredor seguidos das vozes de seus amigos ruivos - apressando-a com certa tensão no timbre. Lia respondera com um molhado "Estou indo", como se uma reunião festiva dependesse de sua presença para iniciar-se. 
Ao girar a torneira e a água cessar, já estava enrugada e com inúmeros aromas misturados. Ficara uma hora submersa? Não sabe ao certo. O vapor então fora sugado como que com um aspirador. Despertara. Vestiu em fim a lingerie, com desprezo. Não havia rastros de ninguém no arredores do banheiro - até mesmo a a cama vazia e sem bilhete algum. Apenas seus pais, ainda conversando petrificados vendo-a semi-nua.
Disseram-lhe: "Ele se foi. Dissera ter se arrependido de estar aqui. Tu demorastes demais no banho, Lia."

sábado, 3 de novembro de 2012

Verme




Os parasitas existenciais revelam-se quando mudo a frequência energética a que estava habituada. Fico arrasada, ainda babada com sua gosma pegajosa.



Mão áspera

A atmosfera em que encontrava-me não condizia com a sensação de ausência que predominava em meus sentimentos: um inferno característico de quem ama e obriga-se a aprender a solidão, a contentar-se com a beleza do sonho, com o amor que paira nas esferas superiores do espírito - que corre pelo ar atravessando a distância física até o ser amado.
Em anomia carnal, busco-te inconscientemente. Claro que ao mais simples ato percebo a implacável procura, mas permito-me vivê-la para um dia, quiçá, a dor não mais perdurar: se resistir, persistirá. A inspiração artística que também nos uniu outrora, é parte minha e não posso evitar... E por vezes a criatividade pega peças incríveis e penso que no ato, eu estava desprovida de consciência para tal!
A noite que parcialmente falo fora um exemplo gritante. No tempo em que encontro-me, as taças de vinho barato não engolem minha mente e, se qualquer pessoa disser-me que possivelmente dissolveria na bebida de baco a essência de um amor terno, tatuado - ainda que por instantes- eu cruzaria as pernas e riria debochada. Então, o garoto que cruzara comigo em seu caminho fora vítima dos conflitos em demasia que sinto. Desapego-me da memória - da espécie do hábito - viva nas noites de intoxicação e volúpia. Fico a reformá-las sem revivê-las. 
Mostrara-lhe algo de mim jogando conversa fora: gravei em sua mão, que diria ser um tanto bonita, um codinome do amado - que entorpece o inconsciente! Tracei em letras garrafais o nome de uma figura semelhante fisicamente e artisticamente. E o garoto, de quem recordo o nome pelo espantoso gesto meu, teve de deixar a pele da palma da mão áspera - de tanto esfregar para livrar-se de meu rastro. 
Não há parte alguma minha para ser doada!