sábado, 29 de outubro de 2011

Exílio parte 23

Toma os limites da própria percepção como fronteiras para a realidade de todos à sua volta. Mas o geral não importa-me...

Não o culpo por reparar no mundo e na maneira como desenvolvem-se as relações humanas, de maneira racional – ainda que um tanto mais espiritualizada e menos mundana. O todo segue à risca o modo obvio de encarar os fatos e quando surgem os sentimentos perdem-se em incredulidades, que nem mesmo são impostas por si mesmas. Não limito o entendimento das minhas emoções. Não relaxo, as energias passeiam em meu torno. Fervilham e disputam também o espaço físico – deixando-me trêmula, em estado de frenesi permanente.

É tão errôneo estabelecer paralelos entre o que vês e o que sinto! Falta gravíssima. As concepções de cada um são baseadas em seu eu, não podendo assim estender-se para o próximo de surpresa, como quando jogas palavras em minha direção: pouco perceptivas e minimamente interligadas como o que conheces de mim. Entretanto, como disse, não o condeno, pelo simples fato de que sou uma criatura inacreditável para todos os que resolvem observar-me, e mais: tentar conhecer-me.

Gostaria de triplicar as manhãs em que desperto límpida, sem importar-me com o dia acinzentado! Torno-me mais humana quando alegro-me com o existir por um espaço de tempo maior do que três segundos. Engana-se se pensares que busco dias assim seguidos... Eles servem como renovadores de tecido morto, e se me conheces bem, sabes a diferença mínima que a pele putrefada que cobre meu corpo faz. Porém é até importante por ser o reflexo explícito do interno...

Não escrevo hoje para acalentar-me, dar sossego ao coração. Escrevo essas linhas, pois descansei uma noite inteira sem interrupções e, portanto o cérebro recuperou-se de alguns danos de dias de insônia e anestésicos. Deixei o colchão levemente e arrancando a pele fina e morta que cobre meus lábios – com os dentes. Mas um tanto de angústia incomoda-me... De praxe. Não garanto que a suavidade estenda-se por muito mais tempo e agora partirei, para um compromisso onde se por ventura a dor agarrar-me, poderei adormecê-la com esforço físico exacerbado: ensaio de ballet.

sábado, 22 de outubro de 2011

Lisergia

Era anunciado o momento de partida. Disse-me: "Amor, prepare-se para ouvir o silêncio como nunca antes..." e iniciou-se a despedida, adornada com expressividade alegre. Tua tonalidade de voz era de riso explícito: aquele riso insano e apaixonado que lanças somente aos meus olhos.
Aproveitei a insônia que cerca-me para direcioná-la, deixá-la fazer-se presente longe dos cobertores que deveriam inspirar descanso. Perguntei-te sobre os concertos anteriores, traçando perspectivas sobre o que a apresentação daquela noite significaria - ainda que teu requerimento da minha presença fosse exasperado, e, portanto importante por si só. "Os outros não podem ser considerados shows... Estávamos alucinados e as canções eram uma grande 'jam'."Respondeste-me. "Foram ensaios esquizofrênicos com espectadores." Finalizei.
E lá estávamos, as realidades em lenta fusão; lá eu estava orgulhosamente esposa.
"Amanhã, depois e depois, quando de ressaca eu estiver, vou querer te abraçar e ver que estás aqui. A única coisa que importa é que és o amor da minha vida, agora e depois." e ao término das palavras beijastes minha mão, navegando por minha pele. Não balbuciastes "nunca te deixarei", como de praxe... Será que pensastes, em meio todas as cores vivas, que não sabemos o que nos espera a cada nascer do sol? Creio que a esse amor regido pelos céus não cabe tal característica. Tive medo, a experiência potencializa a sensação de estranhamento, preciso de tuas palavras... Logo surpreendeu-me:
"No próximo gritarei no microfone que te amo e és a mulher da minha vida! És tão bonitinha para tudo isso...Arrume a caixa de som no teu colo, isso, mais confortável... Faça sexo com ela." apertando-me e sorrindo. Disse-lhe, por fim, que o formato quadrado da caixa não atraía-me, logo tendo o diálogo lisérgico cortado pela sinaleira que abria - e percebendo o lugar perigoso em que nos encontrávamos distraídos. A sorte também pode estar ao lado do amor, não é?
Agora preciso esticar meu corpo feito argila pelo colchão e dormir. Não há escuro que vede a pele fina das minhas pálpebras!

Escrita

Escrevo muitas coisas a lápis. Chamo-as de "anotações vulgares": fraseados não dignos da característica "escrita" e, portanto redigidos com um instrumento facilmente apagado. Elas são o lixo dos meus pensamentos - se algum dia serão aproveitadas, aglomeradas a outros parágrafos recebendo em fim o nome de "texto", não sei... Mas só então receberão a honra e mérito da tinta da caneta!
Tão imensamente prazeroso guardar o que seria perdido no tempo real, nas palavras! Assim que saídas da alma deixam de ser datadas para tornarem-se imortais. Sempre seguras no beco escuro do esquecimento, iguais na minha caligrafia bem ou mal feita - dependendo, variando conforme as emoções atravessam o corpo físico. Como em um eletrocardiograma.

domingo, 16 de outubro de 2011

Exílio parte 22

Condenada a arder no exílio. A vida nunca fora compreensiva - a corda permanece esticada até o limite do caos e é claro que se desfaz sem demora.
Arrebenta, despenco ao chão e a insulto incessantemente: se tua eterna vontade é ver-me debruçada- onde possa estar à mercê de pés nervosos que fervilham, caminhando, pisoteando-me - por que adiar tanto o momento em que estarei presa, em definitivo, às lajes de terra? Concreto?
Ao longo da espera desenvolvi métodos para subsistir, como trancafiar em cada momento o que é apropriado à ele. O tempo da minha vida não é uma continuação de dias- é apenas feita retalhos. Não é permitido o gracejo da plenitude e felicidade, não durmo, não repouso. Somente ajoelho e ando pelas pedras. A fantasia há muito tomou o lugar da realidade, apossando-se e rolando na grama seca. Bem deveria saber que uma noite de suspiros verdadeiros o destino não conceder-me-ia na santa paz...
Tudo o que queria engolir é sofrimento, instantes na mais absoluta pureza e sorriso fácil. A noite é companheira - nela deixo marcações em cada espaço que repouso o olhar. Mas ao menor contato da pele com o metal das chaves de casa a rachadura entre meus pés é estirada; a superfície do cérebro craquela-se ainda mais. Antes de abrir a porta, sempre peço em silêncio a sorte de só encontrar meu gatinho esperando-me, peito branquinho desesperando carinho, dear Syd!
Prolongar a expansão contínua
regada à exaustão não sentida.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Psicose

Entre a pálpebra e a sobrancelha há um fosso profundo, cavidade perdida onde - em dias como hoje - por mais que o vento empurre a chuva contra a persiana, nada pode penetrar na janela da alma. Não possuo capacidade de administrar um corpo. Uma existência minha que acaba-se tão lentamente - consome-se em sua própria energia. A visão é brancassenta e irreal: os olhos doem e querem estar ao contrário, ir andar para o espaço escorregando como ácido corrosivo atravessando o corpo. Branco! Tudo branco como teu peito desanimado, inchado esverdeado. Não estou em pânico: as lágrimas não caem. A única chama que me consome é da caravana que passa chamando-me... Agonizo. Agonizo. Agonizo. A realidade é quem rompe comigo, chuva de espinhos.
Se encostares em mim, me sentirás como um balão cheio com farinha, com olhos de botão e cabelos de barbante, como os vendidos às crianças no picadeiro. Adormeça cérebro!
Desde que me deixastes, os dias passam sem meu consentimento. Não sei dizer quantas vezes já escrevi essa mesma frase. Agora a sanidade foi-se, a sucessão de dias não tem rumo. Esqueci que existem leis básicas de subsistência - não posso escalar as paredes do subterrâneo. A única visão que tenho é de minha órbita em colapso.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Imagem

Cumprimento, doo dois belos sorrisos - não esforço-me para mais. Logo ao primeiro silêncio, pausa inevitável e temida que antecede a esperada conversa, vês que não passo de uma incomunicável com um péssimo disfarce de um minuto na manga.
O desconforto de fazer-me presente abrange todas as dimensões - e refiro-me à todos os campos de percepções possíveis. Como o tijolo pronto para ser incorporado ao buraco da parede, não possuo o encaixe perfeito para acomodar-me ao mais distinto ambiente. Porém o tijolo ainda conta com as hábeis mãos do operário, que molda-o ao cimento e logo à simetria da construção. Cada passo meu adia o fim e apenas sobrevive sugando ar denso e intragável.
No momento peço algumas horas de descanço profundo e induzido, para ser imune ao menor movimento dos segundos. Uma noite inteira de sono revigorante é miragem na linha do horizonte dos meus pensamentos...
Nego encarecidamente a luz do sol e busco a companhia da sombra de uma árvore. Cada globo ocular produz sua própria imagem, sem ligações entre si- o que obriga-me a guiar-me por uma direção incomodada pela outra logo ao lado.
O tempo da nossa vida não quer passar. Briga com a velocidade, encharcando de suor frio os acordes. Olho-te e permaneço procrastinando o acelerador, pois temos somente essa fração minúscula de tempo. A agonia rasga-nos, esfrego as mãos pelo rosto... 30/09