segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Exílio parte 21

Precisava buscar o abraço de forças maiores do que sua reles mortalidade. Pouco importava-lhe o aguaceiro que o céu indicava estar próximo. O silêncio colorido da natureza por vezes aprisiona os estalos que alarmam seu corpo, vindos da mais distante profundeza do crânio. A vertigem cessa, e pode enfim, permanecer em posição vertical - não mais fetal.
Afaga o jardim com o olhar enquanto elege uma momentânea morada na grama. Atrai-se para um pedacinho verde, que como um tapete, estendido está entre as alamedas de terra embarrada. Como um jazigo disfarçado. É preciso disfarça-lo: a beleza mórbida causa estranhamento.
Lia senta, o aroma da primavera embriaga-lhe! Que doce, durante tanto tempo enclausurado nas memórias! Ao estagnar sua gôndola lá, concretiza sua estadia dupla entre o vivo e o morto, o mitológico e o real, o jasmin e o apodrecido, o exilado e o andarilho, o vácuo e o ar: corpo morto, alma errante.
"Cantem, pássaros! O dia cinza vai sendo vencido e o sol surgindo com brilho tímido. Estar desperta aqui é o sono mais sincero e revigorante oferecido à mim. Nuvens chorosas, despenquem de uma vez! Agrada-me por demais compartilhar com vocês meu estado. Quisera eu, desfazer-me com tal facilidade em água! Não percebem, que alegria seria desfazer-me? Em baixo da gôndola meu corpo reside, morto-vivo, torturando-me!" Pensa, esticando as pernas.

Verdade

Parte alguma dela pode ser a felicidade de alguém.
A paixão é ilusória - logo descobrirás que não há como descer ao vale negro que é seu coração.
Não encontrarás nem sequer alimento durante a exploração, enfraquecendo as forças e desanimando rapidamente o espírito.
Isso se as doenças, provenientes das bactérias da degradação, não o perseguirem. Contaminarão até mesmo a corda com que insistes tentar penetrar.
Nos momentos em que ofegante e debilitado estiveres, passarás o percurso com todos os sentidos vitais entorpecidos: de leve, tocarás a superfície redonda do túnel, manchando as mãos de sangue escuro - e então compreenderás finalmente por que a amada usa luvas todos os dias.
Entretanto, juro-lhe que ela também encontra-se em frenesi de pavor...A garganta fechou-se. E se ficares preso na traqueia, que seja? Homem! Ela não pode afagá-lo, para logo deixá-lo onde não sobreviverás! Está resolvido: continuará a bloquear tua entrada, jamais concordará em dar-te o posto de majoritário e fonte de amor, consciente das irrefutáveis más condições da vida ao seu lado.

Aniversário


O tempo imprimindo na flor sua pisada.

O inverno despede-se, já é perceptível o frescor quente primaveril que em nada funde-se com o clima imperante do dia: aniversário. Como de praxe no dia 14 de setembro, deixo aqui um pequeno amontoado de pensamentos. Data a todo instante dissecada e logo inflada por idéias e rodeada de simbolismos exacerbados. Não gosto destas datas quando minhas...
Hora da independência forçada e não mais forjada quando conveniente! Como ser humano hipócrita agarro-me ao conforto, aos problemas cíclicos cotidianos, a dependência formal. Dezoito anos e talvez queira começar tudo novamente, deixando anotações de como deveria ser moldada.
Condição inexorável... Toda a vida se esvai voando! Vivo de apelos da alma em oposição ao corpo, tendo meu drama potencializado com a passagem do tempo. A tal vida nunca fora plena: apenas sobrevivi. De metáforas, de antíteses, de cárcere labirintítico. Caro leitor imaginário, nunca soube a que ponto ir... É tão fácil compreender o poeta objetivo! Uso de rendas, ornamentos demasiados, denominações fictícias de seres que nem sequer sei o nome!
Dualismos, tal como o homem barroco - alma x espírito, claro x escuro: coexisto sobre os extremos. Encruzilhada! Divago sobre as coisas antagônicas, não há espaço para a realidade opressora! Imagine tal sofrimento... Enfrentei e passo a vida sem maiores esforços para pregar idéias de modo a serem entendidas. Transbordo imagens, temáticas e piruetas cultistas -enternecimento de bailarina.
O lume está em algum lugar... Aos dezoito, finalmente concluo: fujo em custódia do meu coração. Se a claridade é tão bela, por que tem fim toda a noite? No escuro, os botões de rosa pisados são...

Já fui dissecada, que há?
Ranhuras de violino!

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Estás suscetível às mudanças de temperatura:
faz calor logo faz frio.
Fecha os olhos...
-Não durmas, na escória
no poste escorada
na vida encostada!

Perdida.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

No silêncio vertiginoso

I: Corpo autônomo
Há algum tempo Lia deixou de recitar ao vácuo "Eu te amo".
Diante da solidão, não inventa a própria multidão de espectadores, pois naquele palco trancafiado no passado, ao arrastar o corpo feito sílfide, flutuou para a morte interior.
Os brados do piano, urros da alma dos antigos amantes, não deixaram jamais de entoar seus infernais acordes. Ela esteve diante da cólera e foi pega, e na época, era somente lobo enfraquecido - foi diante dos olhos oceânicos que transformou-se em cordeiro.
O cheiro da morte ronda-a, reside ao seu redor. Desabrocha a cada respirar envenenando as tentativas de ser viva: do coração, só resta no peito um pequeno pedaço, suficientemente simples e minoritário encarregado de bombear sangue. Líquido, afinal, de espessura fina, esguia: água corada que não necessita de grandes esforços para correr pela veias, bloqueadas em muitos trechos por aranhas com suas enormes teias. O resto do órgão vital, para conhecer onde jáz, basta consultar a velha caixinha de música... Trancafiou-o lá para bater sózinho, viscozo e vermelho. Remendou suas artérias aos envelopes, conectou-as às cartas de amor - e alimenta-se desde então das emoções lá contidas e da marionete de bailarina, que junto dele, abaixo da tampa de mógno, hiberna sem destino ou esperança de acordar.
Porém o elaborado plano não obteve êxito. O pouco que ainda reside envolvido em suas costelas também é enfermo: respinga sangue putrefado das cicatrizes arroxeadas. Jamais curou-se... Possui, no mais, livre arbítrio e autonomia do resto do ser que é Lia: não quer secar por completo e também não livrar-se dos males. Todos os fungos existêntes, fazem os sentidos corporais sofrerem! O sistema nervoso briga e o coraçãozinho em resposta estréia sua taquicardia, temida! Impulsiona os nervos a enloquecerem.
Cada parte age por si só.
Fragmentos que escrevem sua própria história baseada em silêncio vertiginoso.

II: Moléstia da alma
O coração explodir-se-á. Quer, pelo obséquio, esvaír-se em sange.
Em defesa, o corpo permanece em posição fetal para esquecer as passagens de tempo: aos poucos a memória recente torna-se branco, extinguindo assim a de longo prazo. Lia está inconsciênte.
O amanhecer aproxima-se com os pássaros cantando - logram vivacidade, ou a alegria do moribundo é que significa a degradação lenta dos sentidos? Tanto já divaguei sobre sua alma, aprisionada pelo esqueleto colado em músculos! O espírito quer liberdade... Basta de náuseas em suas demandas demasiadas, alívios espontaneamente forjados! Por sua vez não servem mais... A vitalidade já é indiferente.
Espera sem fim pelo desfecho do tormento! Não consegue mais respirar; a partida ainda gostaria de tardar?

[Uma das piores coisas (se não a pior delas) que pode ocorrer à pessoas como eu, é ser despertada pelo amor...
O ser amado jamais te amará em parecida intensidade.]

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Incompletude

Cinzas espalhadas e aprisionadas no papel. Mais uma noite fora-se... Perdera-se
-Não a terminei!

A esmo deitara-me no corredor logo após a porta, onde já não havia teus olhos de jabuticaba.
-Bem na verdade lá residia ausência total de energia corpórea.

Rastejara-me tal como réptil, pois tremera meu corpo de uma tal forma que o frio, que na alta noite fizera,
-Jamais o faria.

Elegi uma lajota dentre tantas outras, e nela deitara meu peito, alvo, quase arroxeado. O piso passara a palpitar...
-Quis sussurar nele pensamentos
e frases que não dissera.

Entorpecera meu vínculo térreo, logo mais à frente, com o conjunto de escadarias. Os pézinhos - distante de serem os únicos ou primeiros - lutavam para conduzir-me à diante...
-Odisséia; torpor de coisas findas!

Nunca chegara ao apartamento. Nunca voltara para aquela noite: não perdoo-me! O físico por vezes é frágil; passo a repugnar cada vez mais minha existência terrena, onde a mente lutara ( e ainda briga) em vão:
-Retorne! Tenho de libertar palavras!

Célula

Sobrevivo de pequenas mentiras do cotidiano. A começar pelas perguntas sempre inclinadas para respostas infames, onde digo-lhes: "Sim, estou bem" sem fazer questão de ser convincente - se não posso explicar-me, que fique subentendido.
A fala é mais um mero instrumento de expressão do ser humano, e não desmereço sua utilidade, apenas digo que é necessariamente desnecessária. A voz é exalada pelo corpo: o brilho do olhar, no andar cabisbaixo, a pele esguia - quando o sentimento não quer, o físico repudia. O mais próximo que a voz pode chegar da emoção, só os que receberam a dádiva do canto podem assegurar a existência: o corpo como próprio instrumento musical. E então ela, combinada com a sensibilidade da expressão atinge as sublimes atmosferas - o que nada pressupõe "palavras", que no arrebatamento do canto são somente acompanhantes do som afinadíssimo.
No meu ciclo intermitente de existência, não aceito que digam-me Esquiva. Penso que não sejam necessários balbucios comuns das cordas vocais - pobrezinhas! Aprisionadas no poço escuro que é a garganta. Para meu infortúnio, o mundo é povoado de péssimos observadores e exatidão terrena... A sinceridade passa despercebida, um dos motivos pelos quais a mentira prolifera-se e poucos ludibriam muitos. A humanidade despreza os sorrisos, expressão simplória, porém de grande magnitude, para ceder espaço a contatos impessoais.
Torno-me aos olhos mundanos uma arrogante. Pergunto-lhes: não podem ver mais nada? Diante de vós jaz um corpo transparecendo sintomas de seu interno! Hoje escutei a seguinte afirmação - e digo escutei, fazendo menção ao que anteriormente disse sobre a fala - "És um zumbi". Fiquei menos enraivecida, é bem verdade, pois fora uma observação seguida de afirmação. Observações são ligadas muitas vezes à fantasia e isso severamente agrada-me! O personagem zumbi, morto-vivo, até desconfio que no passado fora inspirado em uma criatura parecida comigo.
Mas nada disso muda os olhares depreciativos e inundados de desgosto que são-me lançados. Por conseqüência, meu corpo tornou-se uma casta insuportável de se habitar, desfazendo-se em náuseas e febres. Desejo o fim... Extinção dos traços que inevitavelmente carrego no interior das minhas células! Tudo acaba por ativar um campo paralelo ao meu redor... Não sabem que possuo terminações nervosas no interior dos vasos sanguíneos - anomalia conseqüente, para o corpo provar aos demais a existência de problemas psíquicos, extra-materiais.
Meu espírito é permeável, embora auto-suficiente: longos anos de exercício. A solidão das células é uma saleta cheia de conseqüências do meio enfileiradas. O ambiente plasmático tem em suas paredes vertentes de água salina - jorram lágrimas.

A célula é inundada.
"Evito a 'saudade' e,
para não pronunciá-la hoje,
camuflo tudo o que sai da minha boca."