quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Exílio parte 50 (!!)

Espremendo-me por vários mundos, tento fundi-los numa mesma atmosfera e sou sequestrada.
Meu corpo desce escada à baixo, após ouvir a música que vinha do salão principal - que mesmo entorpecendo-me paralelamente - é onde encontro meu centro de utopia: para o fantástico, para o aspecto rítmico, para o tipo dançante e pouco espaçado.
E... onde nós estamos, quando a onda fria chegou?
Desopilo em posição convalescente, de costelas fraturadas: as superiores trincadas, as flutuantes quebradas.

Exílio parte 49

Atravesso mancando minha desacoplação, término de um ciclo arcaico de meu espírito. Sinto o portal nas proximidades, derramando sobre mim a solidão gostosa que é a de ausência de concentração. Não é para a consciência plena que a vida caminha, mas para a evolução subjetiva - aquela íntima.
O gosto amargo e pesado da lástima, aceito ressaltando sua extinção no menor tempo possível. Meu perfume fora imperceptível em sua florescência - doce e excêntrico ao extremo. És a pintura do macabro! Adornado de dourado - puxando amarelo de gema de ovo na moldura. Não sei dizer a quem pertence o quadro, por que não conheces a ti mesmo.
Caira a chuva grossa, arrancando-me da saleta transbordante de peças de um xadrez alquímico, obtuso. No preto e branco, o xadrez é de magia negra: ilimitado voodoo com peças de carne fresca. Vence o mais usurpante.
Gravo em braile na testa!”

Cubo

No interior de um cubo de vidro era possível ver a vida passar sem som, sem cheiro.
A única coisa que parecia estar em sua companhia, era um sentinela que todo o tempo certificava-se de que a caixa estava bem vedada.
Ele a alisava  sobre as granadas de descanso em seus lábios. Suspirava quando ela percebia seus olhos atormentados, as mãos escorregadias sobre o joelho direito armadas.
Eram amantes... através da janela.
A chave era parte de seu corpo.
I
Exalo um punho de recordações, vindas do intemperismo da madeira
em uma sala muito lustrosa e nada insípida.
Revirara o mundo dos sonhos, suara o corpo em transparência etérea.
Cada qual criando o próprio tempo de perceber
O cansaço, a maciez e o fardo -
e como se a dor fosse um pedaço de pão endurecido, maldizer isso à teus perigos.
Em olhar difuso, repousara comprimindo o que ao amor antigo pertence
Embalando afoita o que envolve a face do outro - como uma manta de sangue empapando minha vida.

II
A falta é a febre interna
O esguio, o lânguido, o todo -
é o retorno do amor isolado.
Há inflamação das glândulas, tentando acalmar e construir o acalento ao coração desesperado de apego.
Há o costume da conspiração: de abismar os olhos e beber do vinho mais seco, em refúgio que vem rindo e blasfemando, perto dos violinos tensos que alçam voos ao redor de nós.
Há o sincero e recíproco dia, valvulado e lotado de reverbes que pairam sobre as mesas impessoais.
Há a roupa larga que comprime o peito,  emudece os sentidos e pisca a faísca no ouvido:
a ansiedade é a mãe de todas as cóleras.

III
Penso em tua mão para impressioná-lo, trazer paz através do esguio em que tu te moves e na dança arruaceira em que vais
Não é o que dizem que nos machucará mais
Isso é sobre nós quando não pensamos em outra pessoa.
Todos um só peito inflamado,
precisando saber que não somos uma só consciência.


IV
Batidas contrapõem-se ao submundo que habitamos:
não despenques na modéstia da alegoria excessiva!
Os algarismos básicos de um a dez nunca mudam -
múltiplos plurais dos mesmos e eternos números.
Que sejam ausentes os assovios cansativos, que descem a rua em amputação

de um tempo já irreal.

Solfejos e ausências, falências subordinadas nos corpos peregrinando, nas frases inúteis presenciando a morte - que não sabe-se onde tem início, meio e final. De lábios tortos os campos audíveis variam do medíocre ao quase divino - mancomunamos concertos em pensamento, nós, queridas presenças, de fortes exércitos erguidos de panos quase impermeáveis: apenas jovens barracas suscetíveis ao acaso da natureza intempestiva. Somos nós, pequenino público, talvez preso nas comas que não pode-se ler nas partituras com clareza.

A paz parecia regressar a interioridade.
Mas ela olhava com encanto tal que magoava-o.O homem usando um soslaio de risca de giz antiga, roçando nos cabelos dela. Chamam seu nome de repente - ou sonhara com isso? Escuta e imagina, afinal, tudo o que quer.
Alma de passarinho, ornamento da própria luz que voava. Olhou pela vidraça, desejando que seu corpo transparente fosse tomado. O silêncio do desconhecido é sempre um desejo.
Mas ficaram em círculo comum e o silêncio deu um nó em volta.

Exílio parte 48

Estava indo embora, observando-te em silêncio, sabendo que após aquele encontro meu coração já não seria mais o mesmo. Pode ser só um sentimento ruim a menos, pois oscilo entre o entusiasmo e o sossego daquela paisagem em que coisa nenhuma pede urgência. Fiquei presa naquele infinito; mais nas longínquas vizinhas que não dormiam.
Somos daquelas pessoas que passam e se olham inevitavelmente, abrindo os olhos com um doce intencionado, tentando abraçar cada feixe de luz que do olhar escapa.
Experiências que respingam; anunciei-me tratando de não fugir aos dias. Minha cabeça é como o artista de circo que não descobre o equilíbrio para andar no canal enlameado. Sua o corpo, amarrota o sorriso e não importa-se de balbuciar como criança seus lamentos de sina. 
Nutro minha hera nos detalhes. Observações atrás da cavidade ocular que conectam-se aos campos do inaudível: persigo minha verdade emocionada oculta no frágil biombo do despertar de sensações. “A misteriosa fraqueza no rosto dos homens”, lembro de Sartre.
Atravesse a rua, como a senhorinha e sua bengala no meio fio, e te esperarei apedrejada para um próximo fim. Não sei alimentar-me na ausência de inebriamento; cada passo do garçom na madeira é uma sacolejante negação.
O bisturi da música opera. Já cravada a anestesia, fico sabendo quanto me custará: peço que ao menos avise Lia na sala de espera, já em desalento químico. Ela veio e trouxe a inibição. Trouxera consigo lascas de mucosa infeccionada e penso: amanhã doerá tanto mais!
Não saio e não rezo: espero. Pois seguindo a escola de Vinícius, não desperdiçarei uma gota de álcool sequer. Sobreviver a miséria… Uma labuta vinda da minha nudez, muito lustrosa e insípida, procurando ingenuidades no alto da sapatilha maternal onde não poderia ser menos inclusa nas maldades da vida. Nudez são as consequências? Imagino que nunca a tenhas feito.