domingo, 29 de setembro de 2013

O cão-homem e a amante

Uma vez cachorro de rua, sempre um cachorro de rua.
Ela ia todas as noites, no sereno do quintal cobrí-lo - alimentá-lo, acarinhá-lo. E o cão, rei da própria decepção,  sempre no estado apático - ou confortável- da grosseria.
Contraindo sarna, pegando a mãe de alguém, o cão de rua deve ter sempre ao menos um conto de amor incompreendido na vida. Se desiludindo, num tempo com estimativa de dois anos, até lembrar do já acinzentado amor: agora já residente da atmosfera de goiaba, que contra um muro é explodida, produzindo um cheiro doce demais para ser bom.
Pulgas saltitam pela cama, encontrando-se com o desconforto de dormir com ela - um luto vivo e reluzente como nunca ao lado!
O cão dorme nos postes, mas também vaga com o coração amarrado em fita de cerol - músculo em descompasso - e amanhece como felino no extremo da indisposição. Estirado, metabolismo baixo e bafo venenoso - na paisagem toda bege de suas manhãs.
O cão da rua nunca saberá abandonar o negrume do espelho d'água, que em frente aos seus passos, persiste em se espelhar: cego, cabisbaixo e com dores curvatórias na coluna - negando também qualquer compressão, ainda que metódica, de amasso prazeroso em seus nervos.
O homem-cão é de uma alvura mal penteada, com aquelas patinhas delirantes, que fazem o louco de amor perder as estribeiras tentando encoleirá-lo.
Deixou-a: só mais um corpo retalhado por suas mordidas e estupros consentidos, que não poderá doar os próprios órgãos após a morte.
Foi nascituro polido em misticidade e agora vive em nudez sem vermífugo. 
Cometeu essa manhã mais um crime, conservado no corpo dela em mais um machucado pútrido e insensível.

Epílogo:
Toda a insanidade do mundo, talvez seja a certeza do chamado energético do amor, que - antes mesmo de se consolidar - acaba.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Do bebê ao extravagante, tento permanecer uníssona...

O aniversário da floreira

Na banquinha de flores em baixo do viaduto, há uma imensidão de sementes entristecidas.
A vendedora de flores vê suas preciosas empoeiradas na rua expostas e despedaça-se, caindo no choro que quer respirar querendo arrancar o coração com as mãos.
Um drama cíclico que não sabe o que sente, nem se mente.
No cordão da calçada, um estranho estaciona a moto. Observou a floreira jovialmente comer bolachas lambuzadas de saliva e lágrimas. A banquinha é sua moradia, mesmo encontrando-se no meio dessa região dormente - quase em amputação - da ruína da cidade.
As noites de primavera que antecedem seu aniversário, foram sempre uma seleção natural de obras de arte, amenas e lascivas. Mas hoje o calor da rua seca a água de qualquer coisa orgânica, elevando - em tontura ou álcool - toda a espécie de mal estar súbito.
Ela vai num expresso bala para os seus vinte anos. 
Mais algumas noites cheias de estrelas no coração da estadia no inferno e já será possível escutar os sinos de espera de fim de temporada.
Vive de gestos, de soslaios e difusos olhares. A rua é a cama e queria mesmo encontrar o equilíbrio, para ter o tal do auto conhecimento tinindo.
Nó na trepadeira, rastro de amor. Clama baixinho na noite:  "busque-me, por favor, já é hora, não há mais energia".
Um amor de pétala saboreado com especiarias, todos os dias -  inevitavelmente acenando em postura irônica de adeus, marcando o tempo com sapatos cósmicos e pesados. 
Abanam para ela, solenemente, a cada meia noite. Anda ofegante, carregando as flores de notas dissonantes.
Todos passeiam a vontade, ignorando seu exílio passional, paliativo e de imaginários amigos.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Equinócio de setembro

Meu pecado de feriado - em ilusões inexoráveis feitas de chorume, órgãos inteiros fora de controle escorrendo fétidas sensações brutais. 
Ele afronta-me tipo fera, sem perspectiva alguma para um grande encontro. 
Minha paixão colérica.
O desejo infla-se - espero-o, cavalo rei, impacientemente com os mamilos rijos de frio. Mas não há passo para dar em situação de tão requintada ruptura - de puro desprezo. De sua vida nada sei, és meu desconhecido enraizado em tantos elementos envolvidos na paisagem. 
Já na noite mais alta, apenas dois corpos dispersos em solidão. Sabia só dos meus pensamentos, confessos na confusão.
Acordas pela manhã já em passos pesados - ainda que de meias ternas de tanta brancura. Mateias então na varanda solito: porque motivo? Atiro-me só, afogando-me em saudade do nunca acontecido. Ainda assim, limpo tua casa de campo como se fosse a última das estâncias.
O medo controla todas as extremidades do comportamento. 
Era tão cedo e o dia ensolarado parecia ter domado todos em ressaca, confrontando a noite mal dormida. Qualquer objeto é o travesseiro mais confortável do mundo - desde que seja do ser idealizado. Dormi num canto impessoal, o colchão fino sob a lajota rachada - sendo tu, equino, o homem afastado nas baias.
O mito do cavalo branco é desfeito.
Em suma, tudo é a pluralidade do purgatório que nos encontramos. Um dia após outro é demasiado lerdo, secando e esmorecendo os sentimentos. Sirvo-me do tempo como única alternativa.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Gatos estão sempre perdidos nos quintais das histórias.