segunda-feira, 23 de setembro de 2013

O aniversário da floreira

Na banquinha de flores em baixo do viaduto, há uma imensidão de sementes entristecidas.
A vendedora de flores vê suas preciosas empoeiradas na rua expostas e despedaça-se, caindo no choro que quer respirar querendo arrancar o coração com as mãos.
Um drama cíclico que não sabe o que sente, nem se mente.
No cordão da calçada, um estranho estaciona a moto. Observou a floreira jovialmente comer bolachas lambuzadas de saliva e lágrimas. A banquinha é sua moradia, mesmo encontrando-se no meio dessa região dormente - quase em amputação - da ruína da cidade.
As noites de primavera que antecedem seu aniversário, foram sempre uma seleção natural de obras de arte, amenas e lascivas. Mas hoje o calor da rua seca a água de qualquer coisa orgânica, elevando - em tontura ou álcool - toda a espécie de mal estar súbito.
Ela vai num expresso bala para os seus vinte anos. 
Mais algumas noites cheias de estrelas no coração da estadia no inferno e já será possível escutar os sinos de espera de fim de temporada.
Vive de gestos, de soslaios e difusos olhares. A rua é a cama e queria mesmo encontrar o equilíbrio, para ter o tal do auto conhecimento tinindo.
Nó na trepadeira, rastro de amor. Clama baixinho na noite:  "busque-me, por favor, já é hora, não há mais energia".
Um amor de pétala saboreado com especiarias, todos os dias -  inevitavelmente acenando em postura irônica de adeus, marcando o tempo com sapatos cósmicos e pesados. 
Abanam para ela, solenemente, a cada meia noite. Anda ofegante, carregando as flores de notas dissonantes.
Todos passeiam a vontade, ignorando seu exílio passional, paliativo e de imaginários amigos.

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