quarta-feira, 23 de abril de 2014

O 23 de Abril de Lia

(Entre traumatizados, feridos e agonia)

Como milagre, chegara em casa coçando as picaduras. Passara o dia sentada em alfinetes. Bonecos de artistas são todos feitos a mão e fizera-os todos adentrando os momentos.
Era noite, 22h no relógio de rua. Apenas os últimos desgraçados troteavam pelas calçadas em infinito assédio, empalidecendo-a. Andara ríspida quase sem dobrar os joelhos, cansando os tornozelos tensionados.
Em definitivo, o grotesco estava instalado.
Trabalhara guerreando contra a carga extensa, por intermináveis horas sem intervalo ou algum tipo de comida. Os homens em torno sequer compareceram. Com indelicado esforço sucumbira qualquer forma de empatia e teve de continuar com o espírito pregado aguardando o entardecer.
De coração espremido, precisara de um ônibus, no qual fora enlatada. Apelara para as novas pílulas de cafeína sabendo dos riscos de reprovação. No trajeto, maldissera todos em estado choroso de movimentos comprimidos, segurando a explosão.
Sedara-se e o ritmo passou a ser descompassado, não sabia-se por onde deslizava a dança. O suor e as veias obstruídas lutavam contra a música: foueté, foueté, foueté!
A maçaneta quebrada não permitira a saída, como o moribundo em que seu segundo ônibus batera -  motoqueiro estirado na avenida quase deserta em que finalmente descera.
Enfim engasgara sozinha, penetrando o corredor de casa em cortesia.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Espera

Do perigo das agulhas e lâminas foi feita a reparação.

Tu te costuras no próprio viés.
Faz tudo sob o céu encaixotado, onde na mudança os antigos talheres desgovernaram-se e ultrapassaram a cozinha desmembrada. És do tipo solene e talvez digno das especiarias que o tempo te deu.

Com um tantinho de veludo cavei abraços.
De coração resoluto buscando amor até o fim, empenhada tal como os invisíveis só supondo - enquanto de costas sigo o ronco do teu respirar.
Dão-se as mãos magricelas, forjadas na porcelana simples e minha fé cai aos pés trêmulos - premeditando um abismo do tamanho da constelação deformada acima do coração.

Vejo teu peito de ossinhos nus pela fresta da camisa, que penduram e desabotoam meu ser,
na roupa em que não há cheiro de dureza ou doença.
Leve e espiritual agora morando na abertura do côncavo dos seios
Onde algumas gotas do óleo inesgotável do ser amado despencam.
Corro, escondendo as mangas!
Pois do meu azeite são feitos os fios grudentos,
intervindo brevemente, mais lento do que a própria opacidade em felicidades mancas:
Parábolas são sorrisos em inversão, de esperas e esperas, arqueadas na solidão.

Ode ao sono e a vigília

Queria me afundar entre as penas e plumas do sono. Onde antes havia montanhas, rostos, beleza, há um biombo.
Com meu casaco cor de gazela, mãos num movimento incansável porém tranquilo,
desejo ser guardiã dos direitos dos adormecidos.