sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Exílio parte 14

Vejo teu rosto com uma doce expressão de carinho e ternura, sufocando um belo pescoço de mulher. Os dias que então se seguiram foram somente a ação das horas em seu ciclo natural: nem o típico sorriso de bailarina consegui arrancar, ou mesmo forcá-lo do meu rosto. Sou um personagem substituível, como um libreto esquecido na gaveta empoeirada no teu teatro reciclável.
O dia para o qual tanto trabalho está cada vez mais próximo, e embora um ano tenha se passado, a atmosfera daquele aterrorizante dezembro ainda permanece com todas as suas feridas expostas. O sangue que jorra não parou de verter do meu andar - do simples ato de andar.
26/11/2010

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Noturno

Pela noite tenho um fascínio lânguido. É em sua atmosfera que mergulho meus dias, pois quando o sol parece brilhar, nada mais é do que ela encapuzada, disfarçando-se. A imensidão negra ocupa cada pequena estrada, onde ainda há frestas escondidas. Por isso vos digo:
A lua que delira... É parte de cada moribundo que a pode ver: Seu vislumbre verdadeiro é privilégio de seus reais devotos da percepção infinita.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Chuvas

Deixe meu céu desanuviar: os dilúvios de espinhos já deleitaram-se tanto!
E não sendo suficiente, ainda pregam peças - aproveitam-se de minhas ingênuas esperanças para, só por prazer, também perfurar o que restou.
Então a época das chuvas vem e vai... para certificar-se de que nada será reconstruído.
16/11/2010

domingo, 14 de novembro de 2010

A parada das nuvens

Me dê sua patinha peluda, com teu curvar suave
E fique aqui, pois quando a noite chega imponente com suas botas pesadas,
Meu colo é teu refúgio
E tua meiguice é meu caminho.
Quando juntos, o leito parece aquecido novamente
E então a caverna de gelo vai tornando-se líquida:
Vamos juntos pelo elevador que sonhamos à noite,
Até a última das paradas existêntes, onde não persiste o gélido junho
Nem o cansado dezembro.
A parada das nuvens, fiel amigo de nariz rosado!
É para lá que o colchão macio nos leva.
13/11/2010

À meu amado Syd.

Exílio parte 13

Sonhador
Quando danço, ainda dedico meus passos à quem, já há tanto tempo, derramo minhas lágrimas. Por crueldade, está é a verdade do que fantasia meus pensamentos. A cada curvar suave de braços, flutuantes no ar como plumas, crio a ilusão de vê-lo na platéia, entre tantos rostos desfocados. O que para a tal normalidade é mera imaginação, para o sonhador é puro e concreto. Até mesmo quando, tamanho o cansaço e esforço, pego-me livre de qualquer pensamento e somente concentrada na música, sei que está lá - esperando o ensaio ter fim.
9/11/2010

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Passeio dominical

Até mesmo sair na rua tornou-se um tormento. Ouço as memórias vivas de todos aqueles postes inertes  sinto as emoções de que cada parede esteve presente. Gostaria de ser parte deste cenário urbano petrificado (assim como parte do oceano), descoberto por poucos infelizes como quem vos escreve. Tudo resume-se à sensações nostálgicas, à belezas melancólicas - o encanto do que é mórbido.
Ora,a morbidez também os possui.

domingo, 7 de novembro de 2010

Oceano

Mesmo um grande amor é condenado à afundar em um oceano profundo e frio, e como imenso que é, no vasto mar teve vida - suas proporções são comparáveis. O único bem precioso que então resta, é a lembrança dos dias em que vi meu rosto refletir no fundo dos olhos dele, dias em que me vi viva. O resto... As demais coisas não tem salva-vidas ou botes : são perdidas nas águas.
Seria tão bom se também perdesse meu corpo em meio aos tentáculos dela! Seria tão mais confortante! No gelo o tempo não consegue ser implacável, e minhas mãos jovens e brancas assim seriam para sempre - a carne de outrora estaria conservada como esse sentimento sem prazo algum. Na eternidade surgiu e lá permanecerá.
Muitas páginas pertencem às profundezas do meu espírito, que em certos êxtases de emoção sinto-o esvair-se, lutando para ir longe - para onde possa existir de si mesmo, da própria luz clara alimentar-se.
Adormeço no fundo do oceano, soterrada pelo peso da água, acariciada por suas mãos macias.
Aqui permaneço na companhia de belas janelas adornadas com vitrais coloridos, que à menor colisão da luz iluminam de azul meu cômodo. Não há como descansar com tal brilho de olhos oceânicos... Carrascos da degradação. Quando deito, a primeira metade minha assiste, todas as noites, a violenta morte da segunda, testemunhando-na e desejando fazer parte dela. Mas a agonia perdura e sua miserável vida clama por um fim. E como tem sido lento...
Pelos olhos dele morrerei. Nada reconstruirá o tecido corroído, os sonhos inundados, o diamante que pesa no fundo lamassento do mar.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Poeminha


(...)
Querido, o que tens em seu rosto?
Quando deitas a cabeça, não escutas o coração pulsando,
como uma caixa que produz eco e leva o som até o ouvido?

Querido, meu peito segue em estado crítico dessa persistente doença
que há tanto tempo torna seu simplório ato de bater
Meu calvário incessante.

Querido, a vida não continuou.
Apenas meses se passaram- ficou.