segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Lia desajustada

Rumando para o vermelho. Protegendo-se de um inimigo invisível que cola no rosto das pessoas em volta. Escuta sussurros, quase que por completo indecifráveis - mas ainda é português.  Apavora-se, não sabe como agir, não entende-se com ninguém para conversar. O que era começo de encontro pessoal, mudou rapidamente e ruiu para um bagaço seco. Assim mesmo, congelado, habitando a fria sibéria da alma.
Pensa coisas ridículas, como não estar perto de ninguém para não atrapalhar. Dorme onde pode remexer-se na  inquietude sem incomodar o sono alheio. Sua liberdade é a solidão? Onde irá parar, sendo de lugar nenhum? Que compulsão por urinar incômoda! E pensar que quando pequena sonhava ter uma penteadeira, estilo cômoda de avó ou mãe. E mais um espelho com cabo bastava para a realização. Agora... se levantar para ir ao banheiro, suas pernas a levarão para os fundos - escuridão atraente.
Não sente sequer vontade de conversar, não consegue expressar-se! Porém, no início, não era isso o desejado? Ser sem sentimentos? Como pode tentar lutar contra sua essência? Alguém responda! Mesmo que estejamos bem de baixo de uma árvore enorme durante um temporal típico litorâneo, com seus encontros catastróficos de frentes frias e quentes, raios muito próximos, canivetes chovendo, goiabas podres despencando dos galhos - que pisoteia para aliviar o pânico.
Há uma rede na árvore, abrigando uma mulher de meia idade, tapada com um confortável cobertor, puxando assuntos com Lia, interessando-se por sua situação de vida em geral. Ela sofre há meia hora de dores incansáveis no peito. Vejo pura queridisse, buscando distração para a dor aguda cessar. Ao contrário de Lia, não está com medo. Ambas recolhidas na árvore, borrifando cheiro de goiaba  para todos os lados. Como queria abraçá-la, transparecer que a adoro. Acho que nem Deus sabe o quanto gosta das pessoas especiais em sua passagem de trem pela terra. Não quer morrer sem que acreditem nela!
Faz coisas sem nexo algum pois não compreende o que dizem-lhe - é tudo tao complexo! Um maço de cartas embaralhadas! Importa-se muito com todos, algo a impede de demonstrar. Tentou dizer algumas palavras, mas quem acredita em uma desajustada? Anda pirada, sentindo-se fora da realidade, em desrealização quase que total. Por favor, perdoem-na, não é insuportável por que quer. Excesso de coquetéis molotov destruíram-na.
Não digam que está fechando o leque de seu horizonte. Suas relações com humanos amigos já são por si só complicadíssimas. Não suporta ceder seu abraço, seus lábios- repudia casualidades amorosas. Não desperta paixões, talvez admiradores, e só.
Claro que todos são diferentes e alguns não se entendem, mas Lia é um caso de deslocamento extremo. No trabalho, foi uma batalha contra os tremores, desmaios parciais, correntes de ar polar nas pernas - olhou para o ar condicionado, nada havia mudado. Só ela sentiu. Em que paralelo dimensional encontra-se? O que fará? Não sabe mais administrar onde vive, quem está por perto, os olhos macabros de desconhecidos na rua. No corredor, debocham de sua aparência distinta, sua fala enrolada, vendo-a como um vidro trincado. Vitral roxo rachado. Locomovendo-se com dificuldade para não beijar o chão...
A casa tem paredes de madeira e, ela jura de pés juntos: está escutando as pessoas conversando - o lugar tem as paredes de madeira. Uma reunião às escondidas. Perdeu a noção? Sabe apenas que gostaria de preservar quem ama ao seu lado... Mas não sabe mais como segurar a barra. O que decidirão fazer com ela? 
É véspera de ano novo e está muito pior.
A cada período de surto a insanidade agrava-se : destrói mais um pedacinho de si. No fim, não haverá o que pôr em seu caixão - enterrem seus diários!
Ameaçadores seres, deixem-na virar nessa cama. Senhoras, não exaltem-se! Sinte terror de vozes vorazes.

domingo, 30 de dezembro de 2012

Aquarela epitelial

Meus pés estiveram descalços na relva. Os machucados abertos derramam um estranho líquido cor de cera quente, que verte da ferida mesmo após a noite de briga com o sono. Os lençóis estão empapados de suco grudento? Queria poder saber.
O massacre pede piedade: reviro então a geladeira - comunitária e empilhada de tudo o imaginável - em busca de algum resto de comida. Com a panela em mãos encosto-me no fogão e, de colher  como criança, como o arroz com molho.
Logo após, resolvo sentar onde a corrente de ar passa -tão gelada! Cruzo as pernas e vejo a estradinha de gosma que une minhas úlceras frescas, ladrilhada com hematomas tão escuros! Quase nebulosas epiteliais. Mesmo a lembrança do gatinho Syd - que trouxe de casa gravado na arranhão na perna - foi enfeitada e agora imita pintura de aquarela.
Os vizinhos incomodam com suas conversas exageradas e fogos de artifício, fico contente que a brisa acalme minha cabeça que pega fogo - no plano visível também. De cabelos cor de cobre, finalizo minha obra de arte dolorida, pincelada no próprio corpo - ou carcaça.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Exílio parte 41

Existo para mim mesma. Para o espectador faço tudo sempre igual. Mal sabe que todo dia luto por um novo visto de uma temporada, durando algumas horas ou dias, para embarcar a mais  um singular refúgio.
Inexistente, quando comparada ao coral de pássaros sendo livres na minha frente. Coragem de voo que faria-me mais verdadeira.
Gênio indisciplinado, escudo programado. Não baixo: sol algum é capaz de queimar-me a pele! Nadar, correr, voar com o próprio corpo é realmente esgotador...
Estava vermelha e cabisbaixa, tomada pelo cansaço, até o momento em que caí nas graças de uma bicicleta - tudo ficou tão mais perto! Tão mais rápido. Nem mais afobado... Mais esperançoso e macio!

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Feitiço de jasmim

Nelica e Lia costumavam ter em casa incensos de mel e ervas especiais, mas na manhã em que despertaram para cair dentro do carro e rumar para a praia, o escolhido fora um floral: aroma de jasmim. Assim começara o dia.
No quartinho da pousada em que aterrissaram não havia nada de bom, até a arrumação da cama de casal ser percebida: lençol caseiro, dois travesseiros e, opa! A fronha de um deles era maravilhosa. Repleta de flores, em certos momentos praianas, as vezes havaianas, talvez com um quê de prédios em fotografia urbana. Nelica apontara para a pintura modesta, que vestia o retângulo esponjoso de Gaia, dizendo: "Preciso desta fronha para mim. Vou levá-la comigo."
O odor de jasmim antes de sair de casa, ao certo, incitou-a a adorar qualquer planta açucarada que enxergasse, que surgisse diante de seus olhos durante a viagem. De relaxar em relaxar suscetivamente a medida que dirigia, batera de frente com a tal pintura resplandescente no dormitório.
Jasmim é a flor mais cheirosa do mundo. Do universo, quem sabe. Atrai e comprime o apego, é sempre percebida e surge um desejo inconsciente de tocá-la. Mas é cheiro! Ar - querendo ser palpável. A alma passa a ser atormentada, a pessoa enfeitiçada não poderá mais conviver em ambientes repletos de árvores floridas! Jardins passam a ser sofridos... Qualquer semelhança com o jasmim quando provada, é inesquecível. Fumaça que é tatuada.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Exílio parte 40

Chave do teu infinito espesso e especial.
Não conquistara teu coração - tomara tua alma obscura que sequer compreende.
Sou um farol intermediando tuas oscilações  e estados dissimulados de espírito.
O que minha boca não torna descritível levo a um plano maior - amor que paira sobre nossas cabeças para todo o sempre.
Crie coragem, pequeno. Rogo para inundar-se.

Rest in peace

Ilustração do "The Poems of Edgar Allan Poe."
O aniversariante inanimado despertara de seu sono, tão leve, no cemitério em que fora sepultado - repleto de adubo.
Levantara embriagado, com seus defuntos acoplados cercando-o. Medíocres, pobres de amor e misericórdia, torturam Lia antes mesmo da visita - cotidiana - ao funeral diário de que participa, em que transporta-se para a boca das covas de véu rendado no rosto, chamuscando a expressão facial. É vulnerável em demasia, nua ao extremo, pensa: 
 - Conto apenas comigo mesma para atravessar a paisagem desértica que habito...
Soltam risinhos mascarados por trás das árvores. Sussurram sobre sua emoção nobre: Clemência! Clemência! Dando-a ares de pena. Pensara em vagas possibilidades de carona para deixar, ainda que por agora, aquela terra molhada retalhada em moradias subterrâneas. Mas todos os carros amigáveis estão lotados - malas ocupam o espaço. Insistira: 
 - Há mais conhecidos viajando e tratarão de me dar um assento.
E novamente, há muita carga... Exclama:
 - O que vou fazer? Bem sei que não devo ser deixada sozinha comigo, no campo de mortos vivíssimos!
Passados alguns momentos sem conectar informação alguma, Lia dera-se conta de que a data de hoje é realmente especial e por algum motivo tropical, merece sangrar. Sente angústia intercalada com picos do sangue fervendo e náuseas de desprezo interno. Enjoo de pisotear o coração. Desejara então buscar justiça... Chegara ao cume de, covardes dessa forma, deixarem-na raivosa.
Para terminar a estadia no campo, chegara a duvidar de si:
 - E se eu for completamente lunática a ponto de tornar a própria criação uma verdade? Ou serão eles, todos eles, que precisam de descanso perpétuo?
De última, Lia decidira encomendar a partitura do réquiem do músico, espreitando tal como Salieri a obra em desenvolvimento.

16/12/2012

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Distinção em lugar igual

A tampa da caneta prende-se ao amaranhado de cabelos, perde-se nos fios molhados vindos do mar. Encontro-a e saboreio-a - salgada, pois as manhãs devem ser inventadas e temperá-las requer um esforço sacrificante. É preciso boa matéria-prima e paz para o dia correr, rolar pela montanha repleta de pedregulhos até finalmente chegar a seu final almofadado. As diferenças dão-se pelas bacias em que tudo é misturado... O que resulta é criado.
Minha cuba forrada de limo traiçoeiro!

Areia no teclado

Cada passo na areia produz uma  nota aguda e ensurdecedora. Piso com maciez para o impacto ser mais leve: ponta dos dedos, meia-ponta e evito fixar o calcanhar. Escalas tão mudas quanto extravagantes, um vendaval vindo do horizonte todo azul crescente, enfumaçado partindo do cinza - soprado até o branco. Alvura natural que dá vida as nuvens...

sábado, 1 de dezembro de 2012

Antes da partida

Lia acertara o despertador para cedinho. Para a vida mudar. Tomara, somente após o ato, consciência da grandiosidade do futuro próximo - que virá correndo no piscar das horas. O caneco de vodka anteriormente perto de si, era tão grande quanto espesso, tal como uma janela blindada. Pensara: para que tal revestimento? A bebida, de qualquer forma, é previamente estipulada e desejada, para o indivíduo não fazer ideia de como chegou em casa inteiro.
Desde os primórdios da noite,  ela estivera em uma encruzilhada tão densa que parecia pura energia magnética. Estagnada permanecera, em meio a demora da indecisão, em cenário urbano indo voltando, sendo racional e insegura. Batalha acirrada, ainda restava tempo de provar a si mesma que existe encanto e felicidade social que flui... E escorrega também em sua timidez pessoal. Para ilustrar primordialmente o desenrolar do alto questionamento que rolava na mente, fizera amizade com uma cadelinha, chamada Luna. Lambidas especiais sem dúvida.
Fora errada, com pessoas certas. Porém, sem mentiras: a boca seca fora somente um empecilho físico para beijos não acontecerem. Solução externada, de quem sente ainda um vazio severo no peito. Seu fundo, de certo, só pode ser feito de um inexorável limo! Situação contendo ainda gotas de ilusão, de uma despedida contornada por uma audição confusa - um "eu te amo" entrara na roda e não fora iluminado? Lia planara sobre as emoções em tempo integral, é cruel. Tornara-se bom não sentir suas moléstias! Entretanto, determinara um grande cessar fogo no paraíso forjado: será logo mais pura lógica e possível sentimento, afastada das ruas cravejadas de memórias, da ultimamente cinza, Porto Alegre.
Encontrará paisagens que tomarão formas novas e ricas, naturalmente- importantíssimo para a tal visão que Lia tem. Desprovidas de lembranças, propícias a sensações particulares! É lindo e tão simples pensar!
O vento, atravessará o espaço minúsculo entre seus fios de cabelo, sem arremessar dardos - ou poeira, como quiseres... o princípio é único: ambas não deixaram nunca de ser carregadas de veneno. Alquimia trabalhada para a agonia perdurar. Transmutará... transmutará e ela crê. Tivera um último cigarro oferecido, mas já não faria sentido.
Parece delicada, essa Lia: mas ou é por falta de um meticuloso observador, ou por que ninguém ousara ( ou não fora permitido) catar - com uma pinça - as lascas de madeira enterradas em sua pele, que são incontáveis detritos cósmicos. Cravaram, grudaram, é uma superfície de gozo para os obsessores! E portanto a maneira que aterrissaram é irrelevante... ficaram, vindos do espaço. Claro que marcas também não são remotas, afinal alguns corpos estranhos são expelidos sem substituto imediato.
 - E é nessas brechas que o presente se contém, espremido. Habitualmente camuflado e logo após vívido como um trovão solto em uma melodia... 

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Exílio parte 39

Escorra, coração desvairado! Troque de lugar para mim contornar o que sentes, sucumbir-te, agora - de súbito! Imploro uma clemência, quiçá piedade, limpando-te com o mais alvo algodão...

Na presença de quaisquer seres ao meu redor, estou em confusão pois sou condenável. Não quero alguém novo, eu sou o ser de olhos estranhos. E quando chega as cinco da manhã - horário temido de  silêncio intrépido,  sem a opção de ser quebrado - o veredicto é bebericado em terrorismo: esgotada e calada sou toda ouvidos.


Rumo pelas ruas, cedo noite após noite ao desespero. Deveria estar descansando envolta nos meus lençóis limpos, de dentes soltos e sonhos livres. Bebendo de meu leite caseiro, mordendo o pedaço de pão  sólido sobre a mesa da cozinha. Sem o doce prazer - enigmático - da euforia.


Se for para abandonar projetos que lembrem-me o antigo amor, terei de migrar para outra galáxia! Fico aqui por saudade. Caindo na desgraça do teu peito ser meu aconchego.

Não suguem-me, estranhos, com suas existências calamitosas. Negativismo? Não. É o tapa necessário, inevitável, ardilosamente surgindo. Astuto, corroendo a naturalidade.

Por favor, Gabriela, permaneça na luz sem firulas. A claridade é lógica, objetiva, confundida com audácia.


Pássaros do raiar do dia, não! Trompetes anunciando mais uma manhã. Trombetas não seriam, pois não são anjos de festim - são músicos de jazz, negros e presunçosos, despertando os inquietos. Afinal, por que não?


Tentando encontrar-me, deslizo de vez em uma das calçadas paralelas ao caminho dourado. Escorrego, no maior primitivismo, na ladeira de lama molhada - grudando nas flores secas e assim formando um novelo marrom escuro.


Onde pararei de girar? Os trompetes na janela realmente incomodam. Inacreditavelmente!



terça-feira, 27 de novembro de 2012

Chá

O interior macio de uma Tulipa é meu dormitório, de paredes que emitem frequências vibracionais altíssimas. Repouso no silêncio de seu fundo abobadado, sendo o esplendor do céu noturno minha cúpula - como um observatório lunático.
Porém, é dentro da rosa que passo longas horas acariciando sua textura acetinada... Danço enroscando os pés descalços no veludo das pétalas. 
Ao deixá-la, cada mínimo poro de minha 
pele fora contaminado com seu sabor de flor silvestre.
Aroma tentador de rosa que permanece ao fervê-la na chaleira com água. Sirvo em xícaras de gesso o Chá da Roseira - perfeita alquimia para a amnésia do coração. Elixir que dança, perseguindo a circunferência do recipiente, apurado e atencioso para curar minha cólera.

"A polegarzinha"



quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Sensação

A bailarina movimenta-se como um felino para onde quer que vá: na superfície desmatada ou na madeira macia do palco, é de uma delicadeza escassa.
Enquanto no teatro a guerreira, em elevada escala, protege a natureza - provedora de todo o universo - e seus seres encantados, o criminoso de seu coração reduz ainda mais sua miséria,  trancafiado nas quatro paredes de seu quartinho. Lânguida, a lembrança dele veio como uma surra em um único momento, na mais violenta pulsação do corpo de Lia. Pois... remetes sempre à agonia, ao medo do colapso!

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Exílio parte 38

Minha tragédia cotidiana é sentir meu peito estreito, esmagado pelas mãos do falecido amante. Esfarelo-me um bocado pela manhã, após uma noite pensando com as pupilas grossas, as pálpebras quase cerradas. 
O tempo da nossa vida custa a ruir: há algo dentro de mim que permite que me sugues. Que diverte-se com a prisão. Que goza a cada aflição. A mente engana o coração, o coração engana a mente, e o ego entre os dois opostos é um abismo fantasmagórico - feito de alegorias e  confeitos de fisionomia doce.
Nenhuma alteração de consciência me agrada, por ansiar demais uma plenitude. Tropeço no meu inconformismo! Aperto o caderno com força, sem perceber. Silencio-me pela confusão que toma meu ser...
Saber notícias é um suicídio lento ao qual sou vulnerável. Será assim para ti também?

domingo, 11 de novembro de 2012

Fluido do Lobo parte I

O sangue do predador
é aclamado
constantemente derramado
com frieza usado
e por costume vil jorrado
- por não possuir valor.
Não é sagrado!
Fluido enferrujado
Assinando contratos
Comprando corpos 
- putrefados
Condenando almas
- impactadas.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Banho demorado

Na mesma cama de outrora, os pais dela estavam novamente deitados, juntos e debruçados - em anomia do lado adolescente que vê o compromisso como uma imposição contra a liberdade. Tudo isso passou pela cabeça de Lia em segundos diante da cena. De seu quarto, virava o rosto deitada na cama de cima do beliche marfim. E em uma linha espantosamente reta de visão, abraçara a fotografia.
Com entusiasmo, deslizara as mãos pelo garoto que, em cima de seu corpo, sufocava-a de carinhos. Arranhara suas costelas alvas. O constrangimento das portas abertas fora inevitável - sua infância havia se chocado. Resolvera de súbito ir tomar um banho, escolhera a lingerie acetinada e nem mesmo olhara para trás - rapidamente fora entorpecida pelo vapor da água quente.
Fora como cair em anestesia profunda.
Deparou-se com outros frascos de shampoo, toalhas grossas, úmidas e cercada pro azulejos cor de creme. Percebera estar na casa de seu amado - seu eterno teatro. O manto de euforia com que estava envolvida fora arrancado. Vira-se no box encardido de teto de madeira - sufocante. 
Sentira ter trocado de corpo com o amado, e resolvera lavar o cabelo dourado com todos os produtos da cunhada que haviam no banheiro- e eram muitos! Tudo uma grande farsa de sua imaginação para ausentar-se da sala de estar por mais algum tempo - usando de um desejo antigo de esfregar e tornar sedosas aquelas madeixas oleosas e maltratadas.
Escutara passos no corredor seguidos das vozes de seus amigos ruivos - apressando-a com certa tensão no timbre. Lia respondera com um molhado "Estou indo", como se uma reunião festiva dependesse de sua presença para iniciar-se. 
Ao girar a torneira e a água cessar, já estava enrugada e com inúmeros aromas misturados. Ficara uma hora submersa? Não sabe ao certo. O vapor então fora sugado como que com um aspirador. Despertara. Vestiu em fim a lingerie, com desprezo. Não havia rastros de ninguém no arredores do banheiro - até mesmo a a cama vazia e sem bilhete algum. Apenas seus pais, ainda conversando petrificados vendo-a semi-nua.
Disseram-lhe: "Ele se foi. Dissera ter se arrependido de estar aqui. Tu demorastes demais no banho, Lia."

sábado, 3 de novembro de 2012

Verme




Os parasitas existenciais revelam-se quando mudo a frequência energética a que estava habituada. Fico arrasada, ainda babada com sua gosma pegajosa.



Mão áspera

A atmosfera em que encontrava-me não condizia com a sensação de ausência que predominava em meus sentimentos: um inferno característico de quem ama e obriga-se a aprender a solidão, a contentar-se com a beleza do sonho, com o amor que paira nas esferas superiores do espírito - que corre pelo ar atravessando a distância física até o ser amado.
Em anomia carnal, busco-te inconscientemente. Claro que ao mais simples ato percebo a implacável procura, mas permito-me vivê-la para um dia, quiçá, a dor não mais perdurar: se resistir, persistirá. A inspiração artística que também nos uniu outrora, é parte minha e não posso evitar... E por vezes a criatividade pega peças incríveis e penso que no ato, eu estava desprovida de consciência para tal!
A noite que parcialmente falo fora um exemplo gritante. No tempo em que encontro-me, as taças de vinho barato não engolem minha mente e, se qualquer pessoa disser-me que possivelmente dissolveria na bebida de baco a essência de um amor terno, tatuado - ainda que por instantes- eu cruzaria as pernas e riria debochada. Então, o garoto que cruzara comigo em seu caminho fora vítima dos conflitos em demasia que sinto. Desapego-me da memória - da espécie do hábito - viva nas noites de intoxicação e volúpia. Fico a reformá-las sem revivê-las. 
Mostrara-lhe algo de mim jogando conversa fora: gravei em sua mão, que diria ser um tanto bonita, um codinome do amado - que entorpece o inconsciente! Tracei em letras garrafais o nome de uma figura semelhante fisicamente e artisticamente. E o garoto, de quem recordo o nome pelo espantoso gesto meu, teve de deixar a pele da palma da mão áspera - de tanto esfregar para livrar-se de meu rastro. 
Não há parte alguma minha para ser doada!

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Exílio parte 37

O sol contra teus cabelos loiros cega meus olhos e enruga minha pele. Calo minha flor ainda em seu desabrochar. O estopim do pranto surge na menor chacoalhada do frasco em que, com conhaque, conservo tuas lembranças. 
Doídas, ficam a transitar pelo meu presente, vêm facilmente, engajadas em um lampejo de memória - simples, como tua maneira solitária de tocar violão.
Transito pelo mundo que temos em comum, que obténs naturalmente junto a uma companhia feminina qualquer. O que de mim é exclusivo e te privas, é a doçura que não mais brilha em ti como ladrilhos na luz. Tocas como sempre de rosto baixo, postura esquiva, pés entrelaçados - porém não mais adocicados.

domingo, 28 de outubro de 2012

Exílio parte 36

Canto triste
Cisne emudecido
Calado pela confusão
Compilação de sensações.

Muitos instrumentos andando ao mesmo tempo, passeando ao lado de um inquietante ruído. Mantenho-me distante, em algum instante sóbria.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Exílio parte 35

Senti o frio mais intenso de toda a minha vida. Fiquei congelada até minha última célula. As lágrimas escorreram, porém ao deslizarem solidificaram-se. Um amigo, perguntou-me o que eram aqueles pontos em meu rosto, que nunca havia notado... Pois bem, eram cubos finos de gelo salgado.
Primeiros suspiros primaveris... acordo e a tarde já é alta, meus olhos não querem se adaptar a luz diurna. O sol, embora deslumbrante, é vivo demais para meu estado convalescente. E também, agora de cabelos cor de cobre, sou meu próprio reflexo brilhante pelo dia e luz elétrica à noite. "In the light"

De outrora

Desci para abrir a porta e em tuas mãos trazias flores vermelhas.
Como elas, só nossos lábios manchados de batom e marcas de boca pelo teu corpo-
pescoço, peito, coxa.
Açúcar sempre espalhado.
9/08/2012

Cama

Exprimo na face o rumorejar da noite.
Pela manhã são evidentes as longas horas de tentativa de descanso.
O colchão fica dentro de uma garrafa que remexe-se jogada ao mar.
Deixo-a completamente amassada, enjoada, com cheiro de peixe
                                   e escamas.

Pó de vidro

Vidros não temperados como facas, ferragens de aço e ferro como poderosas navalhas. Começo pelo final a história de um acidente que ocorreu nas ruas vazias das frias madrugadas de Porto Alegre, em uma noite qualquer - pois para o acaso, não há o diferencial, não existe o escolhido previamente. E mesmo não chamo o acontecido de destino, pois seria tolo culpa-lo por imprudências já conhecidas. Recordo hoje, lembranças de uma madrugada aterrorizante que Lia enfrentara.
Ela conhecia bem para onde estava indo, mas só sabia desde o princípio que não queria ser levada - e mesmo assim não impôs com a veemência necessária sua vontade. Demasiadamente exausta para usar todas as formas de expressão do corpo, nada estava a sua disposição. Penso que fora arrastada pelo medo - sentira medo do rapaz, seu falso companheiro, violentando-a psicologicamente. Não decidia se emudecia ou entrava em convulsão.
Por volta das cinco da manhã os dois deixaram para trás o apartamento confortável de um casal de amigos, embora os sinais de insanidade do amado de Lia já estivessem manifestando-se, o álcool fazendo-se presente, foram-se. Ela percebera a maldade com clareza logo depois ao olhar seus olhos de lobo, em cada palavra dita - vinda da obscuridade de sua alma. Era como uma criança indefesa ao lado de um predador à solta, dirigindo um carro e vertendo sangue dos olhos. 
Via-se constantemente como espectadora de fora, captando as cenas com perfeição assustadora. Pensava em que lugar aterrorizante estava, começando a chorar- desesperada - quando o carro parou e ficara literalmente sozinha. Viu-se naquele submundo deprimente, escuro, íngreme, nenhuma ser vivo atrás e na frente,  somente um cachorro ao lado dando seu passeio noturno. Temia por não presenciar a próxima manhã, calor e frio passavam por seu corpo como correntes elétricas, uma espécie de febre interna a fazia transpirar.
Sentia toda a violência que aquele lugar ostenta, como troféu nas mãos de quem faz do mundo uma casa ainda pior para se viver. Em imaginação, via as pessoas-zumbis deslizando pelas pedras da ruela, montando no carro e desejando se apossar de qualquer material. Tornou-o uma esfera inviolável... Tão frágil em realidade. O corpo não acompanhava o ritmo das lágrimas e o frenesi de seu espírito - permanecia parada, estática sem mesmo mover os lábios para falar. O que os levara até lá, não causou um apagamento ou mera euforia instantânea, jamais seria justificável. 
"Estamos no inferno, amor." fora dito para Lia como que para ilustrar seu pavor. Para seu amante infiel era pura diversão, antes e depois de voltar ao carro e finalmente arrancar do beco nada agradável. A frase fora expelida, para ser mais exata, em pleno declive do morro. Colocara tudo em uma gôndola, passando pelo rio de almas, rodando para o reino dos mortos. Misto de bicarbonato de sódio, tripas, anfetaminas, poeira, farinha de trigo e pó de vidro - tudo quase diluído. 
O caos reinando. Lia escutara gritos vindos do inferno em total solidão - clamando suicídio. Não seria prudente o casal engatar uma nova tentativa de vida, o universo fora muito coerente: as mãos que seguravam o volante brincando falharam e o choque frontal contra outro carro estacionado fora fatal. O sangue que fervia, fora para o congelador - em forminhas- para solidificar-se na gaveta do purgatório. Não houve som algum de teclas de piano ao término... Somente as gotas do sangue chocando-se, tilintando pelos vidros quebrados espalhados pelo chão.
Gélida, Lia tentava debater-se mas o corpo físico não respondia. Saiu para fora, podendo sentir toda a dor de sua carcaça, retalhada por navalhas, sem intenção de lapidá-la. Enjoada, via do meio da rua seu corpo ainda sentado no banco do passageiro, com os lábios vermelhos do batom que usara para sair.
11/08/2012

Perseverança

Perseverança é a natureza tentando emergir sobre o concreto da cidade. A abelha, rainha do meticuloso milagre natural, luta pela própria existência rastejando-se pela calçada entre uma pista de carros e uma de ônibus.
Arrasta-se, sim, pois suas ágeis asinhas já não existem mais. Os veículos passam, ela rodopia rente ao chão, pousa novamente, esperneia de barriga para cima- e volta a escalar a tampa de bueiro onde parou.
Aguardo o semáforo para atravessar, sem conseguir desviar os olhos da pobre criatura a menos de um metro dos meus pés. O sol intenso agora cega-me e só consigo enxergar as listras amarelas da tão queria abelhinha - aguardando o final de sua vida no meio da verdadeira selva, tão distinta de seu lar natural.
14/08/2012

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Coração humano

A carne do coração é intrigante, bela e inquieta. Movimenta-se, em sua dança permanente e audaciosa. Qualquer erro na perfeição e voltamos para a natureza de onde viemos...
É possível sentir o equilíbrio da máquina orgânica se esvaindo! Essa noite tento controlá-la - odeio-me! Não sou habitável, sinto medo. Imagino continuamente como é o interior do corpo - literalmente. Toda a carne molhada, sangrenta.
Uma mão aperta meu coração, pressionando-o e produzindo barulhos - sem distinções daqueles criados ao apertar um generoso pedaço de carne do açougue. Diria, se quisesses saber como me sinto, para pensar em mim e acender um fósforo - e então colocar o dedo na chama e tentar pensar novamente. É assim por mais essa noite, querido lobo.
Continuo desde sempre perdida, suprimida por essa carne de que sou feita. Reprimo mas não consigo fugir: a morte eminente assola meus pensamentos.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Prólogo

A bailarina encerra seus passos. Não mais avançarei em direção à ti.
Dispenso a mediocridade com que levas a vida. Insisti no erro, em um mal que não se cura: o desejo é o combustível da alma, e todo o teu desejar é imundo... Gostaria que a chuva torrencial que inunda as ruas hoje o levasse por inteiro - arrastado pela correnteza junto da sujeira das calçadas, pisoteadas. Homogêneo.
A humilhação é uma visita incômoda. Tua fraqueza necessitava me mutilar para sentir-se forte. Cruzou meu caminho, vaidoso, cheio de si, frio e obstinado a fazer-me sem valia alguma. E nessa falta de sensibilidade, há quanto tempo eu exclamava minha exaustão?
                             

Dias cinzas, de névoas quase palpáveis, angústias espessas!
Vão-se os anéis... ficam-se os dedos, desapegando-se de velhos hábitos.
Retorno a casa na quietude da noite, em prantos de saudade - pedindo a qualquer entidade que sintas o mesmo!

Mas há ânsia incessante, vinda dos abismos do meu coração.
Enjoo- minha alma desejar expelir esse amor!
Dominada pela pressão... deixando-me levar  submergida no vazio
torturo-me de tal forma que me distancio até mesmo das palavras.

O pano que cegava olhos de amante,
fora derretido com lágrimas ácidas.
A queda é inevitável e o fosso profundo - temo ser interminável!
Mas após a árdua escalada para cima,
a plenitude espera-me?



10/10/2012

A toca

I
Dormi para morrer entorpecida
e mesmo assim desperta-me
                           Com tuas vibrações aquecidas.
Em meio a mãe natureza amanhecendo
O dia surge para mim em tua música úmida que, tão perto
                           Desnorteia mútuos sentidos.
As folhas secas da mata - soníferas
Então cobrem-me.
                           O corpo adormece para defender-se.

II
Tua cozinha do pensamento acendera.
As horas são devastadoras
                             - culpa, culpa!
Entrega-se pela trilha de galhos quebrados,
confia que encontrará a cabana desconhecida.
Guia-se pelo aroma de jasmim -chamando pelo anjo
e de fato crê tê-lo perseguido.

Energia pura inunda teu coração.
Rapidamente o semblante, outrora de êxtase
Fenece como essência de flor se não retirada.
Depara-se com uma toca fechada,
apenas com a lama seca da falta de esperança.

Insensível,
passou despercebido pela aura púrpura.

Levado, massacrado, o garoto
desce o acampamento com sua pilha de lenhas nos braços
De rosto incendiário,
abrindo o fosso que separa-nos.


III
Longe de ti o único tempo é o presente.
Danço com a correnteza do rio que sempre flui
Como pano branco lançado na água.
Mas ainda, sem demora
Soluço silenciosa
No barro encharcado da toca.

A invisibilidade...
Será benção?
Será desgraça?


14/10/012

Exílio parte 34

É tão simples... Sinto que nosso passado é o futuro. O amo desde o ontem, cortando as horas do hoje e tornando-se uma seta - traçada de vermelho - indicando o amanhã.
Choro ao despertar na manhã quente de outubro. O hálito amargo exala aos soluços, desesperados, 


tocando o ar que todos os angustiados do mundo respiram.

17/10/012

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Eu te amo como...

Eu te amo como se ama a abóbada noturna,
Ó taça de tristeza, ó grande taciturna,
E mais ainda te adoro quando mais te ausentas
E quanto mais pareces, no ermo que ornamentas,
Multiplicar irônica as celestes léguas
Que me separam das imensidões sem tréguas.
Ao assalto me lanço e agito-me na liça,
Como um coro de vermes junto a uma carniça,
E adoro, ó fera desumana e pertinaz,
Até essa algidez que mais bela te faz!

Baudelaire

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Infância roubada

 Roubaram-lhe os anos cruciais. Nunca houve belas florestas na imaginação infantil.
As árvores foram - e são - figurantes da paisagem de medo que dilacerou sua inocência. 

sábado, 26 de maio de 2012

Exílio parte 33

Despejas fel em tuas palavras, sabendo que a distância é por si azeda. Se precisas da minha confiança, preciso superar traumas e o mínimo é que grites a quem quer que esteja por perto teu amor.
Invento uma maneira de ligar. Ainda preocupo-me em saber notícias. Mas nenhum ambiente é propício para  atender-me. Antes de prosseguir, preciso constatar que aqui a única a querer estar entrelaçada sou Eu - não há mais divagações a serem feitas.
E a noite fora longa.. Angústia implacável! Dardos cravados ao longo do corpo que, doloridos, deixaram-me a agonizar. Rolo os olhos pelo quarto agora  e ainda não sinto-te.... Pedira em silêncio que não acabasses com nosso amor nesse lapso de tempo: que não destruísses tua única verdade. Atravessara em claro a noite em que  a fera adormecida tivera espaço para despertar. Tanto prazer, gozos de vida vazia. 
Que sou? Minha alegria e completude é incessantemente ESCALDADA.


quinta-feira, 24 de maio de 2012

Exílio parte 32

Sem empecilhos, queria dar-te meus afagos! Tocar tua mão - sempre tão quentinha! Em qualquer lugar, que seja a pior sarjeta! E todas as relações coadjuvantes, que estapeiem-se! Não entrarei em disputas familiares sem procedentes. 
O nosso amor a gente glorifica!

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Melancholia

Acomodada no estado apático da melancolia. Anos passam e o rosto é marcado com ferro em brasa - nada ganha-se ou permanece além de cicatrizes. Tanta angústia, exaustiva! Como cabe em mim, não sei. Nenhum lugar ou pessoa alguma parece ter segurança: existência temerária. Caio em crises de pranto ao tentar explicar o quanto é insuportável habitar minha alma, e quanto mais em conjunto com o corpo físico defasado. Não respondo pelos comportamentos incompreensíveis que envenenam o amor, que causam irritação profunda-  és afinal um ser humano normal ao sentir-se farto! Não sei o que sou, além de desregrada, batendo desesperadamente as pernas e braços para não se afogar. Tenho dificuldades para andar, como se "emaranhados enormes de lã cinza amarassem-me as pernas", e penso que seria bom adotar centenas de gatos para brincar com os novelos e assim, ao menos, ser fonte de alguma felicidade para alguém.
Não controlo para onde escorre o excesso de melancolia.... Temo por destruir o sentimento de quem mais quero bem. És otimista e cada vez menos mínimo: o que alguém como eu pode acrescentar? Melancholia é meu planeta e sou dele; o corpo definha sob seu claro ciano. Branco nu banhado de sua luz fúnebre. Sem jogar conversa fora, sem abrir minha caixa de pensamentos tomada pela DESORDEM.

Conselho

Irracionalidade! Decifrando imagens sem nitidez.
Níveis extremos de trauma
Espiã na luz baixa dos bares.
Métrica para seguir feixes de olhares, visão meticulosa de ambientes.
Analista de gestos, cientista do ciúme. Amedrontada da mentira!
Torna-se egoísta e psicopata do amor: comete o crime de furtar vidas.
Não acabes por destruir a paixão dele por ti,
Amiga!

Ao não analisar gestos e falas, corre-se riscos. Mas ao analisá-los, perde-se muito mais:  intensidade de viver... 

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Exílio parte 31

Viagens são oportunidades em todos os sentidos. Distancia física e distração mental. Faces distintas, peles ardendo, tesão pulsando, e aquela que te espera nos lençóis - falecendo. Vais despedaçar meu coração novamente, mais e mais, tanto faz. Ouço tua voz e choro pela leviandade e desprezo infinito. Ausência.

sábado, 12 de maio de 2012

Penúria

Fora-se. Mais uma vez. Acordara com desejo de caminhar? NãoNão despertas com vontade alguma, a não ser aquela que arrasta-te para longe: a de estar só. Tardes ensoladas de outono, fugaz ausência? Não. Não andamos nas ruas diurnas. Não mais assistimos o sol cair. Apenas a noite reinar.
E ela não arrasta-me com a facilidade com que te suga. Fico a te decepar conforme as horas passam - não há como se esconder dos laços extra-corpóreos que nos unem. Não descanso: reviro-me na cama quando a insônia é de origem ainda desconhecida; sentimentos ruins vindo a ser desvendados logo. Em teu trabalho noturno sacias tua vontade de entorpecer-te - passeias no colo de outras mulheres. 
É muita falta, insuficiência. Escassez e deficiência. Para os seguidos "Eu te amo" soarem limpos na claridade do dia...



domingo, 6 de maio de 2012

Ressentimentos

                       No ântro da famosa decadência,  local de tantas faces e lembranças ainda degustadas com vingança, Lia esperava com o vento gélido rachando a pele do rosto. Metia as mãos por entre as pernas cruzadas, vestidas de preto. Na cadeira vermelha de plástico, observara que o bar ainda estaria longe do auge de seu movimento - as pessoas possuem o imaturo costume de sair de casa as onze horas. Sentira preocupações desnecessárias, quisera fugir do pânico das paredes fechadas, dos familiares adquiridos: buscara somente a companhia de quem a deixasse livre e haveria apenas um pequeno grupo, seletíssimo, em que não precisaria dizer absolutamente nada, não haveriam medidas a serem tomadas: brancas de neve e preto, amigas suficientes e confidentes.
                           Em cerca de meia-hora, o habitual surgira: o que vira eram pessoas frágeis e incompreendidas. Felicidades forjadas, carências sendo expelidas pelos póros. Chegara, loira alta e de rosto bolachudo, uma jovem mulher sinônimo de futilidade e síntese da pior falta de escrúpulos. Ora, Lia imaginara-se debatendo-se com aquele ser tantas vezes! Impressionara-se com a leviandade do olhar da garota e resolvera manter oculta as farpas do passado - ela deveria ter esquecido. Pedira para sentar-se à mesa, visto que não havia com quem desenrolar sua língua no momento. De bom grado, Lia lhe estendera a mão em gesto de "acomode-se" e virando um uísque barato inciara sua conversa.
                         Citara-nos seus dois anos de casamento, cintara-nos seus planos fantásticos para o agora e depois. Expectativas ditas com o calor de quem não superara um término de relação e precisa doar glórias à qualquer indigente, fantasiando que seu ex-parceiro venha a saber seu êxito. Maneira de falar que enoja - já dissera que em resumo ela fora e é o oposto de nossa protagonista? Lia admite descontar o todo moribundo em uma quase unânime figura, de Afrodite de faceta mundana, de caráter mesquinho, baseada  no sexo. Volúvel.
                        No ápice, referira-se a uma antiga história ocultando nomes e não haveria como a espectadora conter-se. Cabe ressaltar que deixara durante toda a cena o copo de vinho entrelaçado pela mão direita, anelada de prata... Também tem seus momentos de birra feito adolescente! Porém já era de se esperar que de sua figura não exalasse nada mais do que tentativas de humildade nos gestos. Melhor guardar as palavras ásperas para si: passar reflexões como lixa na pele rosada de alemã não traria contentamento. Então apenas dissera-lhe: "Não haveria problema algum em dizer o nome da tua companhia da noite em questão, ficou com medo?"
                     Nada mais vira do que alguém pobre de espírito, aspirante a artista justificando para quase desconhecidos suas falsas virtudes. Fora para sua "balada" tão esperada, da mesma maneira que surgira há uma hora atrás. Lia ainda sente-se reduzida, mas bem sabes que descontar em velhas e escrachadas figuras não faz sentido algum.
                     Por fim, esquecera a carteira de cigarros ainda cheia na mesa para fazer-lhes companhia.

Exílio parte 30

O homem impregnara sua firmeza, pondo uma mão sua em cada braço dela segurando-a, robusto, perto do ombro - com força a sacudir-lhe o corpo, tamanho ardor das palavras que eram ditas.
 E naquele momento e antes, todo o peso do mundo atormentara-a. No entanto, lá estava ela, sugada por algum tipo de energia recíproca(...).
Passado o tempo, às vezes pensa se essa afirmação teria tomado forma se não houvessem os fatos seguintes.  De sua angústia tornara-se mulher: e vê-se nos braços confusos de emoção, voltar a derramar lágrimas como menina. Criança com marcas corpóreas de surras - com espírito tomado de odor nauseabundo.
Aqueles olhos feitos de um preto tão profundo, de sua memória não desapareceram.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

                        Ao nos abraçarmos o mundo é apagado. Unidos por laços profundos e diariamente enriquecidos somos um só. Nas noites de solidão, desejo o singelo ato da tua respiração ao meu lado.


quarta-feira, 11 de abril de 2012

Exílio parte 29

Quem sabe, amanhã já não haja mais nada residindo onde há nosso quintal frutífero.
Amor que flutua sobre tua cabeça, saído da alma com conexões insignificantes com o corpo físico - demorará quanto tempo mais para o lado obscuro sugar-te novamente, amarrar-te iludido em falsas felicidades?
A confusão e fuga do pensamento e do sentir torna-te teu pior inimigo. Quem olha para dentro, desperta! Projetar os próprios desejos íntimos em outra pessoa buscando o benefício próprio, nada mais é do que a clara demonstração da falta de conhecimento sobre si mesmo. A dificuldade e fuga dos próprios sentimentos sabota-te!
Deixaste um extremo para ir a outro: do vazio sem sentido afetivo, baseado em complementos biológicos, para o acalento do coração e inundação de amor, porém frígido como pedra de gelo. Existe um equilíbrio em ambos lados, que torna-nos plenos... Esforço-me para reencontrá-lo.
É uma questão de tempo até burlares minha presença e procurar o seio diferenciado de uma indigente. Digo com a certeza de anos de sofrimentos diversificados nas costas! Esperarei conseguires olhar em meus olhos e colocar uma pedra na aliança? Nem ao menos reconhece tuas angústias, fuga temerária. Explodirás quando nada mais couber no peito e já morro previamente, ou já teria sido enterrada viva? Encaminharás nosso amor persistente ao luto, ao engavetamento como de praxe - para o fracasso? Há quanto tempo estou exausta?

Exílio parte 28

Estou adoecendo: caindo de esperas, como a dessa noite, preocupações e desilusões. Torturam-me de tal maneira, esgotam-me. Somos fenda no espaço... Invadiste minha solidão! As atmosferas criadas são repletas de açúcar, somos uma imaginação. Relação que intriga-me, por tantos anos presente em nossas janelas, mantendo com ardor nosso amor latente. Mas há como não saturá-lo com o tempo - com as repetidas lágrimas disfarçadas no travesseiro?
Agora, despertas: roubaram-me muito mais do que o descanso! Pedacinhos de esperança e por que não expectativas, deixadas todas no colchão como células mortas. Não compartilhas comigo o que sentes, és capaz de enfrentar um dia inteiro ao meu lado sem recorrer a um abraço reconfortante, de apoio que só a figura amada consegue proporcionar. Proteges-te - em equívoco- do inimigo invisível, sob uma capa grosseira de egoísmo.
Retornastes pelo conforto de não estar só, pela maciez de cobrir-se de sorrisos e vir até mim, camuflando o fardo da consciência(...).
Pois bem, manter um esqueleto andando precariamente é uma eterna convalescença. Jovem mulher débil, somente capaz de arrancar suspiros de pena por onde passa com as mãos entrelaças. Tal rosto de mártir não fora planejado; sofrimento intenso e incessante. A vida me é impossível- sem acolhimentos, o berço que balançou-me também me sacode.
Impossível acatar a afirmação de que "todos os dias são iguais". Ora, estão longe de ser! A cada nascer do sol tua forma de lidar com absolutamente tudo altera-se. Necessito pensar e agir de forma independente, e como podes aborrecer-te dizendo que seria para teu próprio prazer? Logo és sugado e me percebes como de praxe - uma existência sem cor. Apago-me facilmente, um ser descrente que vive no trajeto estreito e enrugado céu-inferno todas as semanas.
Penso se prefiro consumir-me pela subjetividade enlouquecedora ou em anonimato, na ausência do meu eu em suma: anestesiada.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Psique devastada

Tua noção de realidade do Ego foi varrida,
Id e suas pulsões com rédeas soltas -
inconsciente imperativo!
Talvez o Superego nunca tenha sido ativado...
Quem dera ser estimulado!
O primitivo poderia ser assim dosado.
Libido corre solta, nua por campos instintivos e cegos!

Suplico
Persigo
Persisto
Necessito
de Ilusão.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Desprezo

De repente, peito arroxeado
Como lírio rematado em quatro paredes -
Jardim suspenso.
Sensações fluem, solidão ventilada
Porta entreaberta sugere -
Insônia e ardor.
As sementes da macieira proliferam-se
em promíscuas partes;
amadurecidas em lacinhos acetinados, rosados
Em cada extremidade do quadril frutífero.
Pinto de escarlate o suspiro (quase púrpura)
e espero-te chegar...
Provar do fruto.

domingo, 4 de março de 2012

Estrada até o sono

Fomo-nos, amantes.
Minha expressão era de insanidade, porém o doce sorriso feminino sempre se faz presente quando necessário, ou mesmo não. Logo vimos a porta do prédio - chegamos, onde para mim o tempo não passa... Mas minha consciência sabe quenão posso confiar na noção distorcida de sua passagem que meu corpo tem.
Como de costume, enrolo-me em meu amaranhado de pensamentos, e gostaria de escrever tudo o que dissera a pouco! Minha cabeça pesa toneladas e a única sensação boa é a dormência ainda presente de certas partes do corpo. A loucura poderia ser do tipo que desconecta até mesmo com as ilusórias suposições alucinadas...
Abraço-te - o ar custa a entrar, os pulmões fecham-se, o coração quer saltar pela boca a cada tentativa de sugar oxigênio. A fraca tontura chega entrépida aos ouvidos, sentes pavor. Medo da morte. Da agonia. Rosto rígido. Já é passada a hora, pediste ajuda à mim? Ou na verdade queres desfalecer sobre a cama, enrolado nos lençóis, cabeça flutuante no travesseiro? O sangue miúdo deita e rola no músculo pesado do tórax onde carinhosamente massageio.
Sou tua rainha, escrava. Se me pedires água, a trarei.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Exílio parte 27

Ouve respirações ofegantes em suas costas, atrás da música de Chopin. Hoje até a pouca felicidade é ilusória, por isso dizem que sopros de cura do universo salvaram a pequena Lia. Noturna, que têm passado as noites abaixo do claro amarelo do abajur - sangrando e inutilizando os lençóis.
A semente fora expelida sem piedade: foste expelido, por dias à fio, com aflitivas crises de pranto e dores de baixo-ventre insuportáveis. E ainda és! Algo espera uma decisão para cessar o martírio. Avisos frios, desesperados, têm surgido. Causam-lhe raiva,pois não há como ignorá-los: é punida pela própria falta de amor a si mesma.
Diante de sua situação disfarçada, confessa-se a exaustão, debilitada sem consolo. "Ele ainda trocaria teu amor por noites de farra minha querida, e após sete dias, por hoje, busque sonífero." Digo-lhe pausadamente.
O mundo toma outras formas quando estão juntos, porém a menor distância apaga a presença de Lia. Leva as mãos ao rosto, os dedos grudam no rímel deixando rastros negros no rosto pálido... Sua doçura torna todo o resto demasiado descolorido e frágil?

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Em meio ao desprezo, a roupa íntima mimosa, vermelha, penetrou na pele queimando de fogo o entubado e jovem útero
[ocupado.
E agora, inércia, lamento ou contentamento?

Noturno

Concedo nomes às noites em claro. Uma após a outra, inconsequentes quanto ao dia que aguarda-me. Nas mais famosas, sofro pelos crimes doentios não meus, e por isso denominei a mais recente de "O preço da traição". Possui grau de entorpecimento e perda de juízo característicos da raiva; carrego a cólera de quem a gerou e a própria falta de sanidade cegou. É ausência, inconformidade, coração perplexo perante a vida sem cor optada pelo amado: um cardápio variado porém preto e branco.
Amanhece e rogo que a inconstância e os erros não testemunhem o fim do amor nessa vida. Que nos desejemos e não nos necessitemos! Olho-me no espelho e a cada hora a expressão torna-se mais velha: crepúsculo interminável. Ainda que em pedaços, estando aqui posso almejar os próximos dias, e na sequência de insônia definhar - sabendo da via sacra em andamento.
Passemos as divagações, noite de vagar pelo tormento na "Escuna da falta de prazer." Sensação de abandono e desprezo permanente... E então surge o rosto rubro do ser querido protegido sob meus carinhos: fico sedenta! Mas o que segue não é esperança - são bombardeios de agressões da criatura sanguinária. No vicio consistente, a memória é inexistente. Jogo então minhas melhores iscas e absolutamente nenhum peixe as fisga, eletricidade neural alguma as morde. Chamo de "Atravessar com labaredas o cérebro na escuridão." E em um conceito mais amplo, nela posso passar meses, em processo de sucção.
Mas então chega a noite de fechar - com amor - mais um rodopio pelo círculo vicioso da angústia. Toda a psicose nunca foi em vão e nem menos desesperadora - dela tiro os restos de força, que incrivelmente sempre estão lá, para dar continuidade ao plano maior. Senti mais do que amor ao encontrar aquela figura conturbada, vi e vejo algo claro somente aos meus olhos - o maravilhoso banido para o interior de sua essência, transportado como água no sorriso meigo para mim.
Escrevo pequenos desabafos simplificados, que transparecem exatamente o caos vivenciado, a falta de perfeccionismo não-característica, que arrastei pelos últimos meses. De inércia literal.
E por hoje, "velo o sono do menino embriagado" - costurei minha pele à sua, deixei-o cometer dores físicas para unirmos nossos fluídos, misturá-los - e talvez esse tempo longe dos papéis e canetas de praxe seja a readaptação a escrita, pois é a mão direita que carrega o fio da navalha. Cito o mestre Goethe, em Fausto: "O sangue é um fluido muito especial"
Não deixarei os dias, as sequências de dor, serem a ampulheta da despedida! Agora, conclua em síntese, qual a definição para a última noite.



domingo, 22 de janeiro de 2012

Desabafo

Falta de soluções.
Ausência de racionalidade.
Amor latente e divino,
empecilhos catastróficos.
Persistentes paradoxos,
difíceis decisões.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Final de ano

Cada ano que passa, espero menos essa época de "festas" e mais rápido ela chega - com encantos decrescentes.
Em cada "Feliz Natal" que desejei, ignorara as crenças religiosas e consumismos baratos. Pedira, do fundo da alma para cada pessoa que cumprimentei, o que podemos arrancar de bom dessa data: compaixão pelo próximo. "Feliz Natal" é celebrar a união, é "que bom que estamos juntos".
Ao abraçar os amigos no "Ano Novo", pedira que não se percam os bons momentos! Que se multipliquem e que das angústias vertam inspiração. Nesse novo ciclo de meses quero livrar-me dos fantasmas, respirar aliviada o cheiro do cabelo do amor.... Ter a figura das minhas mãos pequenas por suas entradas. Como velas brancas, que tamanho calor delirante, fundiram-se em cera.
Como questionou-nos Lacan: "Agiste conforme o desejo que te habita?" Pois bem, mais um novo ano!