segunda-feira, 25 de abril de 2011

Exílio parte 17

Implicante, lindo, insolente - o demônio! Sabes que és o glorioso, do gosto amargo da minha existência.
Tua fisionomia são verbos que infindávelmente conjugo no tempo presente. Tempo que quase nada sei onde a fenda de "quase" é preenchida com boatos fragmentados. Pobre amontoado de sentimentos que sou, arrumando dezenas de ligações pensadas com cólera para fins bestas. Que nem respeito dizem-me: sem perguntar nada monto minhas fantasias.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Quem sou para crêr,
que não comparo-me com a fragilidade de um lago,
agredido com o cair de um galho das chorosas árvores da beira?
A superfície é córnea, lambuzada,
E as raízes nas margens cílios tentando conter corpos estranhos.
Desprotegida, a íris mergulha,
em busca do seio macio do lodo.
Quem sou,
para fantasiar um manto de ferro envolto no coração?

(Não pode ser nenhuma coincidência-
Já vi-me afogada diversas vezes nas mesmas águas).

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Rosto desfigurado,
Diga-me para onde vais e por que teus olhos ardem;
por que há manchas de sangue pelo chão.
Estás à vagar; nem sequer lembram teu nome.
Logo está só, em declínio acentuado e sem freio.
A água corre pelas ruas onde anda descalço (vozes sussuram no encalço do ouvido),
Deixando teus pés cobertos de lama,
as veias azuis sujas de gotas apressadas cor de marrom.
Todos marcham no compasso do teu peito,
afogando os gritos nas valas inundadas,
Dizendo-te para ficar!
Que de mãos dadas flutuarão pelas calçadas molhadas
tal como velas sombrias- em seu passo lento- à iluminar a noite escura:
"Juntos entraremos pelas janelas à resgatar o brilho perdido".
A ansiedade rasga a pobre humana (o amor prende-te a uma linha tênue e imunda),
onde o sol é somente estrela de brilho efêmero.

The reader


Não basta ser apenas leitor - é preciso ser interlocutor. Não permito ser violada sem as exímias imaginações devidas, pois leitores em busca de textos de simples sentimentos decodificados despencam aos montes.
Produzir algo interessante aos olhos alheios nunca foi uma preocupação que escolhi aderir, então deixei-me senti e varrer cada canto torturado pela poeira do meu interior com tinta ácida de caneta. Fazem parte dos diálogos corpos indigentes, fantasmas anônimos: é preciso conversar com alguém e o inexistente possui um carisma infalível e sedutor.
Eis que fiquei atônita frente à descoberta de um inimaginável leitor. Talvez aqui eu fique devendo a concretização do sorriso sincero que há tanto tempo não era-me incitado no rosto, mas não por falta de palavras: somente pela vontade de mantêr a atmosfera daquele concerto límpida, na lembrança de dois artistas.
Naquele momento decifrei a lápide de um dos meus corpos desconhecidos - surgiu refletindo em meus olhos alguém com quem converso e abro intimamente minha alma. Superficialmente concluo que a arte é o mecanismo chave para limpar as janelas embaçadas que separam cada universo particular.
Abandono a cerca farpada que envolve meu coração para a música circular soberana.
Artistas são interlocutores que às vezes, por mais que os inconscientes toquem-se, o abraço demora a vir.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

"Quero o inverno
Tome uma xícara enquanto ainda está quente
o aquecido reconforta.
De nada adianta dormir
a manhã carrega todos
os resquícios da noite chorosa.
Por que precisas sempre ser transitiva?
deixe as informações faltarem para
o prazer das pretenciosas suposições."

Para Syd


O que será que pensas quando olha-me fixamente?
Esse olhar, apesar de torrencial, consegue ser macio à ponto de deitar no meu e desesperar carinho - penso que Syd sempre sabe quando meu dia foi desgastante.
Para terminar de vez o ciclo do tempo de hoje, domingo chuvoso que enche-me de agonias molhadas, leio Walt Whitman para ele. Querida criança atrapalhada... Quero compreender-te sem fronteiras, como compreendes à mim.

Na mesa frívola

Ao contrário do que eu esperava, fui boicotada por uma hierarquia familiar que de súbito organizou "aquele" churrasco no sábado à noite. Logo, meu lamento por não poder contribuir mais um ano com a idéia da Hora do planeta ganhou um agravante: a estrela da noite era a carne.
Deparei-me com o corpo esquartejado de uma ovelha na cozinha. O grande osso da perna - nosso fêmur - encontrava-se metade para dentro e metade para fora da pia, servindo de parque de diversões para o gato Syd, que ficou em êxtase. O tempo úmido contribuiu para o odor do cadáver recém descongelado exalar e causar uma mórbida "água na boca" dos ilustres convidados.
Não é mera coincidência que aqui no Rio Grande há o maior índice de câncer intestinal do Brasil. O fato é que não somos carnívoros - nem mesmo possuímos dentes de carnívoros. Com um intestino tão extenso, a carne ingerida entra em decomposição ainda no organismo, liberando milhões de bactérias provenientes da putrefação.
Por que há necessidade de tirar a vida de seres como nós, muitas vezes até mais humanos, para tal prazer sem escrúpulos? Minha Hora do planeta foi um show de horror na mesa de jantar; as pessoas deleitavam-se comendo e lembrou-me desenhos como Os Flinstones, ao modo pré-histórico. Não temos mais condições de manter tais hábitos analisando por um parâmetro de acontecimentos recentes, pois por uma linha de consciência humana, eu citaria uma frase com séculos de existência: "Haverá o dia em que o homem conhecerá o íntimo de um animal, e neste dia, todo crime contra um animal, será também um crime contra a humanidade." de Da Vinci.
O abate dos animais para o consumo é só um exemplo. Ainda existem pessoas doentes que os consideram seres inferiores merecedores do sofrimento. Não é atoa que o homem recebe do planeta tudo o que merece; o organismo vivo Terra sangra.

The Doors of perception

" Eu ofereço imagens, eu conjuro as memórias da liberdade que ainda podem ser alcançadas, como as portas, certo? Mas podemos somente abrir as portas, não arrastar povos em direção à elas. [...] Uma pessoa tem que estar disposta a abrir mão de tudo, não só da riqueza, mas de todas as bobagens ensinadas, de toda a sociedade que faz lavagens cerebrais. Deve-se deixar tudo isso pra trás para alcançar o outro lado. A maioria das pessoas não está disposta a fazer isso. ”
Jim Morrison