sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Data do fim

Desde aquele dramático final de ano, dez longos períodos de 365 dias vieram- assim, como um tapa. Para ela, os olhos amenhecidos dele eram um convite inigmático para um beijo, e o descanço sobre o peito como se arrancado de um livro tivesse sido. Ele, às vezes, até procurava dentro de si uma emoção para corresponder, ou um pedaçinho que fosse daquele cenário que ela descrevia - pois só assim poderia fazer um esforço para imaginá-lo: era incapaz de ver com clareza o fundo dos olhos grandes dela.
Em uma dessas tardes lentas e abafadas de começo de verão - o décimo - o vento que por ventura passa desfaz a pele sardenta dela, secando seus olhos verdes, fazendo-os cerrar como velhas janelas escancaradas - que não permitiam o descanço já há tanto tempo. O esgotamento era sentido já no portão de fora da casa, que fazia-se por entre o jardim até a porta principal. Cheiro de definhamento, de longos anos chorosos e sugados à partir do fim da noite.
Durante todo o tempo foi e é assim: um corpo que à noite cola os pedaços arrancados pelo dia. O vento morno e o sol, velhos inimigos de quem fora por si mesma condenada à amar a noite soberana, esperando pelo término, sem surpresas, sem seu jovem amante lembrar-se.
No primeiro momento viro o rosto ao vê-la, ainda é dia, fico incrédula. Logo volto, desviando dos chumaços de cabelo ruivo espalhados pelo chão. Em uma cadeira lá estava o físico cadavérico, como se em posição de espera.
Não se morre de amor, o que tem seu fim são as mãos finas e suaves, em belas luvas de cetim ou deslizando sobre as teclas de um piano. O sentimento não pertence ao tangível, vive até mesmo após a morte do sofrimento da carne - persegue. Porisso o escuro: é nele que os corações alimentam-se, produzem luz própria. Talvez, em um desses deslizantes e errantes passeios, a claridade atingida seja a dele.

(À uma data que me dói, sem prazos de validade.)

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