segunda-feira, 26 de agosto de 2013

A intransitividade

Naquela cedura da noite, Lia já estava petrificada em posição fetal, alumiada por uma velinha confortável de lamento. Arrumando suas tralhas lindíssimas, que tomam vida própria e escolhem em que canto da casa querem ficar. Escrevendo coisas que nem lembra, num papel que esqueceu.
Como disse, as luzes se apagaram e Lia ficou só - acendendo então Chet Baker no rádio.
 "Que tormenta, ter a libido frágil para a química corporal! Vejo-o, desejo-o na mais suja ardência. Só ele: gozar mediocridade, comemorar três segundos de ausência de passado e futuro. " Dizia - mexendo de fato os lábios - durante as noites com as amigas, por meio da linguagem ininterpretável que as mulheres possuem.
Uma delas, dera a dica de como proteger-se da chuva de meteoros neon que a atormenta a alma há anos: vestir sua boina marrom sempre. Almoçar, sobre ela. Impregnar cheiro de cigarro, nela. Fantasiar o cheiro fascinante do perfume do casaco dele, nela - feita de lã cor de terra.
O problema de ele nem sequer, a querer - estaria resolvido! Algo a amaria de veneração.
Mas passaram-se dois dias e em uma conversa aleatória, surgira o nome da antiga paixão de carne e osso -  e uma dormência nas palmas das mãos após ler a palavra "hoje" entusiasmada, irrompera seguida daquele nome. E mesmo com a boina, o dia é estragado apenas por uma verdade que não se aceita. 
"Quando há paixão furiosa e nefasta, garrafas são quebradas covardemente na rua, após uma noite de lua que envolve e surpreende. " E com isso o ego interno voltou a afrontá-la, vendando sua sabedoria em sussurros.
Com mais uma variação do mistério, falta-lhe pluralidade. Volta ao vinho seco.

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