segunda-feira, 6 de junho de 2011

Soníferos da peça

Sinto as lascas geladas do novo inverno. Diferente do anterior regado à sentimentos em conturbação - a maturidade é meu fator agravante. Não vivo mais suplícios chorosos sem ir mais fundo. Ando cabisbaixa, em muito transparecendo a vontade de viver que lambe o chão.
É sábado. Em vão, os olhos tentam emergir do fundo da almofada dolorida, com corpo similar a gomos de certas frutas, quente e cegante. A pouca claridade que atinge a retina, é infantil e de brilho fosco, ainda assim capaz de atormentar outros importantes sentidos: o baixo grave da música é uma súplica ondulada de raiva atingindo os ouvidos!
Submeto-me, em momentos pouco espassados, a diversas sensações criadas comumente, na atmosfera febril em descrição. Clara, frigorífica, vermelha e de uma calmaria notável. Aguardo com pavor o instante que alguém abrirá a porta - conexão única com o real que negligencia-me. Aparecem risadas, correntes de ar limpo, pelo orifício rasgado da madeira entram... descendo uma navalha fina na câmara rodeada de cólera espessa.
Compreendo meu existir nos labirintos onde resido, com órgãos pressionados no limite do vital. Por certas horas há música ecoando, sempre dizimada pelo ruído de amplificador na tomada, como se aceso e inerte. Será essa a minha melodia atrás das grandes cortinas de veludo, da madeira? Pois o ruído interno, esse sim, sei que é o silêncio cavernoso que - como disse anteriormente - submete-me a diversas sensações espassadas em curtos tempos: elevação e queda magistral de sonolências e palpitações.
Sou como barco, enferrujado no cemitério do porto: ambientes, cargas e destinos cheios de violinos sarcásticos, que emaranhados no teu sorisso apagado, são tua sombra nas minhas lembranças. Passagens de outrora devoram-me por inteiro, de modo que os membros enraizados no leito aos poucos voltam a ser matéria da natureza. Esqueço de contar tempo, logo o mofo lembra-me.
O gato, ativo pela casa, sorrateiramente rende-se aos soníferos da peça. Meu amado companheiro, bichano ativo, agora entre minhas pernas estendidas. Como um pássaro que pousa nas estátuas da praça. Olha-me descuidado: vamos dormir.

Nenhum comentário:

Postar um comentário