quinta-feira, 28 de julho de 2011

Ruídos

Quando o som demente da rua cessará? Peço por um dia e uma noite, apenas, para o ruído letal da minha alma fundir-se com o ar denso. Padeço como o feto retirado do útero sem permissão - como não deixaram-me lá permanecer? Agora no leito, ainda em posição fetal, levo as mãos aos ouvidos na ância infinita de escutar meu sangue atravessar o corpo, isentar-me do procedimento exaustivo que é a audição.
Sou feita de incontáveis embriões que estapeiam-se uns aos outros, com seus braços contorcidos, elevando ao máximo minha convulsão. Por essa hora, possuo longos e negros cabelos feitos de nó e lambuzados de esgoto. A rua faz-me de vassoura... E nessas tardes em que as nuvens pranteiam, o esfregão feito das minhas madeixas empregna-se de lodo. Lodo impuro, não és meu!
Mas não direi: doces e cores rosadas aos conscientes. A realidade é o mais bem elaborado engano. É vã como seus ruídos que penetram e levam-me à loucura; é vã como seu excremento negro que nas chuvas corre feito riacho - desarmando e embebendo minhas doces pétalas.
Por vezes, gostaria que meus sonhos - tenuíssimos - só carnais fôssem. Assim, minhas preces não escorreriam pelo teu brocado peito, alagando o chão onde pisas. Teu respirar não seria-me imaculado, nem meus anceios letais. Arrasto-me pela sarjeta, desafinando e ainda tocando as cordas do meu colérico existir.

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