quinta-feira, 28 de julho de 2011

Manhã de segunda-feira, em três atos

I:
Anestesiar em mim esse exesso de sensações que transbordam a cada respirar.
Quando a madrugada se vai, desconecto lembranças e muito perde-se em meus instantes falhos.
Pelos dias seguintes canto, solitária
A digestão desgastante daquela noite sem pensamentos.


II: Quando ela tem seu término, tudo o que lhe pertenceu petrifica-se onde deixei. Nos dias que então seguem o que significa trevas para alguns é meu único período de calmaria, onde após corriqueiros tormentos ao estirar-me no colchão, cerro as pálpebras para dar início a uma nova jornada na residência do sonho.
Durante a rotina diurna sou triturada e amordaçada. Há somente um conjunto de características que são-me atemporais, e somente sofrem a influência do meio em que encontro-me na intensidade com que afloram-se: inquietude e paranóia constantes são os principais pólos. A preocupação e delírio extremos fazem-se presentes em todos os personagens nascidos em mim, seja no turno que for.
Cada lembrança permanece encarcerada na atmosfera da noite. A vertente noturna capta a fantasia, o externo respira o que minha alma quer transparecer. Sou tão mais real perante a Lua! No curto espaço de tempo que ela reina, o amor surreal que há anos dilacera meu peito materializa sua presença, em um corpo feito de carne: não posso evitar cruzar meus olhos com os dele, e flagrar-me olhando-o com feixes de luz inigualáveis - tamanha profundidade. Eis a fraqueza dos olhos claros!
Ser uma alma diurna requer toques de marasmo... Porém, claro que aproveito alguns perfumes que o sol pode oferecer-me, com a companhia insubstituível das minhas emoções. O cair do sol pode sim ser lindo: ele costuma deixar-me claro que sua figura predominante é a intempestividade. O problema do sol é que insiste em aquecer minha dor!
Mas como disse no início desse breve relato, a noite petrifica sua atmosfera, e aguardo - quase amanhecendo - a rotina tortuosa que imperará. Pessoas, sentimentos e atos são tragados pela lava do vulcão amanhecer: os lugares onde piso transformam-se em pequenas pompéias ao deixá-los.
III: A vida de excessos estava tardando para apresentar-me consequências físicas. Acordo com os batimentos do coração querendo ter vida própria e assim a dor sobe pela cabeça, cegando a visão. Seca a boca, entope os ouvidos e faz o corpo tremer. Ouço as conversas espaçadas dos médicos com seus pacientes, como lamúrias sorrateiras que deslizam pela sala de espera em que estou sentada. Passou, tão rápida quanto chegou, a idéia de escrever a palavra "pacientemente" ao descrever-me sentada no hospital...Mas mentiria descaradamente. Minha aparência é serena, mas a grande maioria dos meus estados são desconexos: paciência não supõe calma e serenidade.
Fico pensando se há alguém observando-me intrigado. Que luz forte para pessoas doentes! Ou é somente eu que não suporto claridade em demasia? Acho que no momento fico com a ilusão do coletivo.
Não estou entorpecida pelo cansaço. Há pouco divagava sobre minha rotina diurna e nela nunca sei quando estou diante da realidade, permaneço flutuando - como em sonho. Meu telefone toca, por instantes não sei como atendê-lo e minha voz não é libertada; acomodei-a na quietude das mãos que escrevem. Esforço-me para transmitir à pessoa do outro lado da linha as informações básicas necessárias, como onde encontro-me - pois dizer como estou é impossível.
Agora reflito sobre o que direi ao médico perante à chegada da minha vez. Deveria ter ficado por alguma calçada no caminho, desejando que um motorista perdesse o controle do carro e acabasse com minha matéria física degenerada - que tantas vezes foi só o reflexo do meu interno. Entretanto, dessa vez tenho anestesiado minha alma a partir do físico incessantemente.
Admito estabelecer relações sociais apenas à noite, como divagava anteriormente. Toda a beleza que exalo acimenta-se lá. Nos outros dias bebo de minha vertente de dor natural e infindável.
Aproximo-me do fim da estadia na sala de espera, ainda tento dar vida ao discurso para o médico. Enfim acho que falarei sobre os cabelos da mulher que está sentada à minha frente. São lombrigas, milhares delas nascendo de seu couro cabeludo, remexendo-se lubrificadas. Olho para a criança de rosto tão inocente e doce que parou perto dela, será que causa-lhe estranheza? Mexem-se grudando e sei que estão aqui por mim, sentem-se atraídas. Desejam deleitar-se em minha pele, sonham tomar minhas veias ( as mais finas abaixo dos olhos) fantasiando serem sanguessugas. Presas em cabelos negros, até parecem mesmo. Seguem minha energia vital...

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