terça-feira, 23 de julho de 2013

Poema de Gabriela Leal

Para Lia
"O querubim mais velho se matou
Umas 66 vezes
Depois pediu afastamento por escusa de consciência.

Foi enviado então o único que quis
(convites para festas todos aceitam,
mas depois que fazem um trabalho fogem de desespero
ou viram sádicas crianças até caírem no vício e desaparecerem em algum pedaço de terra)

Esse vinha triste de nunca ter encontrado um amor para velar
E quando chegou lá viu o tamanho do estrago:
O outro havia abandonado eles sozinhos por muito tempo,
Cada um definhava morrendo um dia por noite separados,
Se alimentando do amor no ar que sopravam oceano à fora um para o outro.

Já com a primeira flecha que o outro enviou (e que ideia a dele, veja você) a sereia havia rasgado o corpo para poder dançar como no conto
E ele aceitou um laço de gravidade, um anel e o azul melancólico dela como a cor do seu coração.
Ela cicatrizou com sua pele, seu sangue e aceitou um anzol no céu da boca.

Logo reparou que ela não dormia nem comia direito
Ele bebia cada vez mais
E os dois estavam sempre largando o pó ou indo ao pronto socorro.

Ou olhando a lua tentando fisgar o anzol ou apertar a gravidade
Suando em sonhos
Morrendo um dia por noite
Ao lado de qualquer uma, qualquer droga ou um gato.

Ela escrevia, ele compunha
Ela dançava, ele ensaiava,
Os dois tinham um projeto.
E a partir daí o novo anjo começou a entender:
O outro era um maldito esteta
E eles são uma obra se transformando
- rasgando aos pedaços quantas vezes for preciso
pra ficar ir cada vez mais alto.

A questão era como ajuda-los a partir daí
Sem entrar em delírios de esteta também
- olhar para as frágeis criaturinhas
(há quanto tempo sem comer?)
Nem esperar a arte pela arte, nem dominá-los pela arte

Talvez apenas trocar a lâmpada de um farol
E eles reencontrem o caminho
Depois de beber tanta água escura
Para esvaziar o oceano e ficar apenas deitado sob a lua,
Ficar doente da lua,
E esquecer o outro."

Gabriela Leal 
Julho/2013

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