terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Noturno

Concedo nomes às noites em claro. Uma após a outra, inconsequentes quanto ao dia que aguarda-me. Nas mais famosas, sofro pelos crimes doentios não meus, e por isso denominei a mais recente de "O preço da traição". Possui grau de entorpecimento e perda de juízo característicos da raiva; carrego a cólera de quem a gerou e a própria falta de sanidade cegou. É ausência, inconformidade, coração perplexo perante a vida sem cor optada pelo amado: um cardápio variado porém preto e branco.
Amanhece e rogo que a inconstância e os erros não testemunhem o fim do amor nessa vida. Que nos desejemos e não nos necessitemos! Olho-me no espelho e a cada hora a expressão torna-se mais velha: crepúsculo interminável. Ainda que em pedaços, estando aqui posso almejar os próximos dias, e na sequência de insônia definhar - sabendo da via sacra em andamento.
Passemos as divagações, noite de vagar pelo tormento na "Escuna da falta de prazer." Sensação de abandono e desprezo permanente... E então surge o rosto rubro do ser querido protegido sob meus carinhos: fico sedenta! Mas o que segue não é esperança - são bombardeios de agressões da criatura sanguinária. No vicio consistente, a memória é inexistente. Jogo então minhas melhores iscas e absolutamente nenhum peixe as fisga, eletricidade neural alguma as morde. Chamo de "Atravessar com labaredas o cérebro na escuridão." E em um conceito mais amplo, nela posso passar meses, em processo de sucção.
Mas então chega a noite de fechar - com amor - mais um rodopio pelo círculo vicioso da angústia. Toda a psicose nunca foi em vão e nem menos desesperadora - dela tiro os restos de força, que incrivelmente sempre estão lá, para dar continuidade ao plano maior. Senti mais do que amor ao encontrar aquela figura conturbada, vi e vejo algo claro somente aos meus olhos - o maravilhoso banido para o interior de sua essência, transportado como água no sorriso meigo para mim.
Escrevo pequenos desabafos simplificados, que transparecem exatamente o caos vivenciado, a falta de perfeccionismo não-característica, que arrastei pelos últimos meses. De inércia literal.
E por hoje, "velo o sono do menino embriagado" - costurei minha pele à sua, deixei-o cometer dores físicas para unirmos nossos fluídos, misturá-los - e talvez esse tempo longe dos papéis e canetas de praxe seja a readaptação a escrita, pois é a mão direita que carrega o fio da navalha. Cito o mestre Goethe, em Fausto: "O sangue é um fluido muito especial"
Não deixarei os dias, as sequências de dor, serem a ampulheta da despedida! Agora, conclua em síntese, qual a definição para a última noite.



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